O atirador do Colorado, Batman, Coringa e o fanatismo

O jovem James Holmes, de 24 anos, disparou tiros contra um cinema lotado que assistia a estréia do filme “Batman – O cavaleiro das trevas ressurge” deixando 12 mortos e 38 feridos em Aurora, estado de Colorado nos Estados Unidos.

Pelo que as notícias dizem ele era um estudante de neurociências e se especializava em transtornos psiquiátricos. Sem antecedentes criminais o jovem agiu sozinho e estava munido de armas, colete à prova de balas, usava uma capa preta e tinha o cabelo pintado de vermelho e alegou à polícia: “sou o coringa” fazendo uma alusão ao inimigo número 1 do Batman.

Esses casos não são novidade na terra do tio Sam, mas o que deixa muitos intrigados é como um jovem como qualquer outro, aparentemente inteligente pode ter uma ação tão cruel como esta e com premeditação meticulosa.

Quando escrevi meu livro “Por que fazemos o mal?” pesquisei a vida de muitas pessoas consideradas perigosas para a sociedade e notei algo bem curioso, elas não são tão diferentes do que a média. Pessoas que trabalham, estudam e tem ideais, como eu e você [leia mais].

O psicólogo Phillip Zimbardo tratou desse assunto quando falou do Efeito Lucifer em que descreve o caminho pelo qual as pessoas passam quando atravessam a linha que divide um ato generoso de um ato criminoso. Todos nós somos passíveis disso. [sobre o efeito lucifer]

A metáfora do Batman e do Coringa é emblemática, afinal, ambos são foras-da-lei e usam métodos subversivos para atingir o seu objetivo. O Coringa quer evidenciar a hipocrisia de Gothan City e usa o caos para expurgar o que há de pior nas pessoas. O Batman luta pela justiça e combate os inimigos de Gothan com todas as suas forças, muitas vezes questionando se atravessou esse limiar ou não.

Toda pessoa idealista tem um pé mais ou menos próximo do fanatismo, afinal um lindo ideal na mentalidade de seus seguidores é a única verdade a qual toda a humanidade deveria seguir. O fanático é totalitarista e entende seu valor como aquele que deveria imperar supremo na sociedade para salvá-la.

A mente psicótica (que delira, alucina e perde o contato com a realidade comum)  {esquizofrenia]  ou psicopática (fria, insensível, perversa) são muito vulneráveis ao fanatismo. Para um psiquismo cheio de caos desgovernado tentando encontrar um rumo não adianta uma ideia muito aberta aos raciocínios complexos e questionamentos profundos. A mente cega precisa de uma mão pesada que diga “por aqui,SÓ POR AQUI!”.

Se uma ideia é muito ambígua (como a vida é) ou cheia de abertura e paradoxos ela não irá aderir porque precisa de uma trilha única, sem confusão. Quanto mais rígida, cega e absoluta é a ideologia mais adeptos fanáticos encontrarão proteção.

Adolf Hitler não foi um louco sozinho na sua tentativa de exterminar o povo judeu. Ele era um idealista e amava arte e seus valores supremos eram a pureza, a beleza e a supremacia ariana. Segundo os historiadores Hitler acreditava piamente que os judeus eram sanguesssugas sociais que corroiam a sociedade austro-alemã, por isso queria tirar a paisagem ruim do meio do caminho. Ele encontrou uma Alemanha caótica, com altos níveis de desemprego e uma das maiores taxas de inflação de toda a história da economia moderna. Essa Alemanha fragilizada e com tendência a uma nacionalismo cego foi o terreno propício para o nazismo.

Quando uma mente psicótica [leia mais] prestes a se desagregar encontra uma ideia salvadora ela cria uma aderência cega e absoluta e passa a ficar obsessiva em torno de um pensamento fixo. [transtorno de personalidade obsessiva]

É muito comum criminosos aderirem a religiões que são quase hipnóticas em seu discurso e não deixam margem à escolhas (eles nem seriam capazes de eleger um bom caminho para si mesmos). Nesses casos é até bom que troquem uma obsessão criminosa por uma transcendente. Muitas pessoas buscam a dependência química como uma proteção contra a loucura, mas o resultado é que a droga abre um abismo ainda maior no seu quadro psiquiátrico pré-existente. Depois  que chegam ao fundo do poço elas aderem à filosofias e seitas que fazem um trabalho unidirecionado em sua salvação. Na minha visão é uma fixação mais saudável que a anterior. [sobre a maconha]

Esses atiradores de massa movidos pela ideia de libertar suas vítimas (ou a sociedade) do mal acabam criando tragédias em nome de sua “fé”. Quantas vezes nós próprios brigamos para defender uma opinião que achamos ser verdadeira?  [brigas]

É muito comum pacientes internados em hospitais psiquiátricos usarem defesas obsessivas para vedar a rachadura de sua mente à beira do abismo psicótico. Eles fazem movimentos repetitivos, falam palavras “mágicas” à exaustão como um amortecedor mental para não serem engolidos pelo vazio psicótico. [leia mais]

O ódio, a vingança e a mágoa também são defesas obsessivas em que a pessoa só pensa no seu objeto de desgosto para não colidir com uma dor insuportável. [leia mais]

A obsessão do Coringa era o Batman que por sua vez queria vingar a morte dos pais exterminando a criminalidade. Um era a sombra do outro.[Entrevista sobre sombra]

Quando algo desse porte acontece em algum lugar dificilmente consigo dizer: “que cara louco!”. Prefiro baixar a bola e me lembrar de levantar menos bandeiras e ter menos convicção cega das “verdades” nobres que teimo em defender.

Quando alguém sai atirando em outras pessoas em nome de sua loucura sei que muitos de nós fazemos o mesmo (de forma sutil) quando achamos ter razão em tudo.

PS: O texto não trata de culpa ou punição, só de entendimento do fenômeno.

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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