Sabedoria de novela

Semana passada tive a grata felicidade de conhecer um pouco do universo de bastidores da Rede Globo no Projac numa conversa com Silvio de Abreu, autor da releitura “Guerra dos Sexos”. Fui como enviado do PdH e pude entender como funciona a máquina que não vemos na telinha.

Herói e lobo? Como assim? Quem eu devo odiar?

Ele é um homem muito inteligente, perspicaz, atualizado de tudo o que acontece na vida real das pessoas e sabe lidar com o imaginário popular com maestria. Ele precisa produzir uma história que ao mesmo tempo entretenha o público (de classes A a E) com humor misturado ao drama e uma narrativa intrigante, ao mesmo tempo lidar com patrocinadores e o mais trabalhoso de tudo: administrar os humores do público.

É disso que quero falar, como se comunicar com 50 milhões de pessoas (número médio de telespectadores das novelas globais) de forma que agrade “a todos”?

Notei que o brasileiro é um povo que consome novela de um jeito visceral e quase torcedor pelos personagens. Os homens fingem que não veem novela, mas estão sempre inteirados de tudo que se passa alegando que fazem companhia para as mulheres noveleiras. Só “elas” são noveleiras.

As pessoas gostam de odiar os vilões e o mais interessante é que se não ficam com clareza sobre quem é mocinho e bandido da novela isso causa confusão. Silvio de Abreu falou de uma novela “Torre de Babel” em que tentou à princípio não deixar claro que tinha uma queda para o bem e para o mal, pois afinal de contas as pessoas são bem ambivalentes, mas que o público aceitou mal a novela e ficava confuso já que não conseguia perceber com clareza esse maniqueismo.

Penso que fazemos o mesmo tipo de separação no cotidiano, pois temos dificuldade de conviver com comportamentos que podem ser bem doces e terríveis vindos de uma mesma pessoa. A necessidade de transformar pessoas em anjos ou monstros é bem limitante, pois perdemos a riqueza que uma relação pode ter.

Aprisionamos nossa percepção de uma pessoa e passamos a nos relacionar com ela de um modo específico, desconfiado ou aberto. Curiosamente essa abertura provoca abertura e o fechamento incita confronto e debate.

Nunca pararam para pensar que aquela pessoa que você odeia tem amigos e é amada por alguém? Com alguém provavelmente ela se permite demonstrar candura e não usa dos artifícios “malignos” que ataca você.

Qualquer tentativa de abertura daquela relação fica inviável simplesmente porque ninguém cede de verdade. Ambos mostram os dentes e se queixam que é impossível algum acordo com pessoas perigosas.

Nos relacionamentos também evocamos o melhor ou o pior de uma pessoa “sem perceber”. Existem pessoas que são especialmente nocivas quando colocadas ao lado de outras, de onde nascem as guerras pessoais intermináveis.

Casais que se amavam loucamente começam a se provocar e odiar em período de meses, por usar essa lente do bom/mau e ingenuamente embarcam numa mentalidade de contos de fadas onde a donzela é sempre donzela e o lobo mau também.

Quando isso acontece com o próprio comportamento o drama é ainda mais refinado. Naquelas ocasiões que nos surpreendemos comendo no prato que cuspimos e nos comportamos com o mau humor da mãe ou a rigidez do pai e temos que engolir o fato que não somos nem tão bonzinhos ou perversos como gostaríamos de nos taxar.

Penso que poderíamos exercitar um olhar ponderado que faz uma média geral da vida dos outros sempre incluindo o próprio estado de espírito para que ninguém se engane com preconceitos, esteriótipos e imagens restritas do mundo.

Você consegue contemplar esse tipo de abertura em você?

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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