“Dá-me a morte que preciso”

* Por Juliana Baron Pinheiro

 

Como eu não acredito em coincidência, entendo a sintonia como algumas reflexões chegam até mim como algo que acontece por um sentido, por uma lógica e por um propósito.

Eu nunca tinha parado pra pensar qual o significado que a morte tem pra mim. Porque apesar de ter uma enorme curiosidade sobre o tema, acho que jamais atentei para o outro possível significado do morrer, que não somente a questão biológica. E então, esse assunto invadiu os meus questionamentos depois da discussão sobre ele, em dois momentos da minha semana que sempre me trazem muitos ensinamentos: minhas aulas de Sociologia e minhas sessões de terapia de grupo.

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Na Sociologia discutimos o tabu que se coloca quando o assunto morte entra em cena. E depois de pensar um pouco sobre ele, percebo como nossa sociedade é mesmo aversiva pra falar sobre a morte. Geralmente ela aparece inserida em enredamentos bastante complexos como segredos de família velados e intocáveis ou grandes tragédias e conflitos. Já na minha terapia de grupo de mulheres, apesar de também discutirmos esse dogma a respeito da morte, seguimos por um caminho mais arquetípico, ao estudarmos o conto “Mulher Esqueleto” do livro “Mulheres que Correm com os Lobos”. Tratamos sobre as mortes necessárias e postergadas, e como muitas vezes, algo precisa morrer para que outro possa vicejar. É o ciclo da “vida-morte-vida” que a Clarissa Pinkola Estés tanto fala em seu livro e sobre o qual eu poderia passar dias escrevendo, tamanha a sua significação.

Particularmente, como uma apaixonada pelas colocações do livro acima referido, preferi seguir por essa linha de raciocínio ao refletir mais sobre a morte. Mas também me interessei por um livro que meu professor de Sociologia indicou, “A negação da morte”, de Ernest Becker. Nele, em resumo, o autor argumenta que “uma das molas mestras da atividade humana – atividade destinada, em sua maior parte, a evitar a fatalidade da morte, a vencê-la mediante a negação de que ele seja o destino final do homem”. Vocês já perceberam o quanto, por vezes, negamos inconscientemente a nossa morte? O quanto criamos milhares de artifícios para que, de alguma forma, nossa vida, nossa existência persista, “sobreviva”, por mais tempo que o nosso sistema biológico pode viver? Inclusive, para exemplificar esse desejo que nós seres humanos temos de estender nossa existência, meu professor trouxe aquela velha afirmação de que para que tenhamos uma vida plena, é preciso que plantemos uma árvore, tenhamos um filho e escrevamos um livro. Todas essas ações implicam uma maneira de eternizar e de imortalizar a vida das pessoas.

Das minhas reflexões sobre o assunto, concluí e comprovei (principalmente, pra mim mesma) que a morte, abstraindo toda a carga dramática e pesada que a perda de alguém possa nos causar, é muito importante! A morte como o encerramento de ciclos. Então, desde que amadureci o meu entendimento sobre como funcionam os ciclos da vida e a importância dos seus movimentos, comecei a aceitar melhor algumas mortes. Compreendi, de verdade, que TODOS OS DIAS, eu morro um pouquinho. Morre uma crença fantasiosa, um objetivo, uma ideia, uma opinião, para que novas possam surgir nos seus lugares.

Hoje, por exemplo, morreu um receio doído que eu sentia em entregar ao Universo o maior desejo que eu tenho desde que me conheço por gente, que é o de publicar um livro. Porque por mais que eu já venha trabalhando em um com meu consultor literário, a coisa toda parecia muito distante.  Como o processo de criar uma história é árduo e exige cautela, ainda demoraria bastante tempo até que eu precisasse vencer esse medo pra finalmente publicá-lo. Mas de repente, numa tarde ociosa, morreu essa Juliana temerosa e outro livro nasceu, enquanto aquele ainda está no forno. Quer dizer, aquela Juliana vem morrendo aos poucos. A cada novo passo, novo incentivo e durante o processo de “arredondamento” dos textos, uma nova Juliana vai nascendo e criando coragem de reconhecer e de comemorar essa conquista. Vocês entendem que uma não consegue viver ao mesmo tempo que a outra?

E o que mais me influenciou para o surgimento dessa ideia, que aconteceu sem grandes planos e que em um dia tomou uma proporção gigantesca, foram as reflexões que eu vinha fazendo sobre o meu 1 ano como colaboradora aqui do Sobre a Vida. Sim, dia 19 fez, exatamente, 1 ano que eu escrevo aqui. E pensando sobre esse ciclo que, de alguma forma se encerrou para que um novo pudesse se iniciar, nasceu essa vontade de juntar alguns dos meus textos e passa-los para o papel. Muito mais pra mim, que preciso entender de uma vez por todas que sim, que dá pra eu viver do que me dá mais prazer na vida, mas também para eu poder fazer contato com aqueles que não têm o costume de ler blogs ou acessar a internet.

Enfim, hoje me sinto muito feliz ao olhar pra trás e perceber as “mortes que vivi” pra poder chegar até aqui. Ainda tenho um longo caminho pela frente, mas fica muito mais fácil seguir por ele quando se entende e se aceita esses movimentos necessários da vida.

E que venham todas as mortes que eu preciso, para que eu continue vivendo, cada dia mais inteira e mais realizada.

Beijos, Juliana Baron Pinheiro

* O título é uma tradução de uma frase da poeta e mística mexicana, Rosario Castellanos, mencionada no livro “Mulheres que Correm com os Lobos” da Clarissa Pinkola Estés.

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Ana Correa | 2012* Juliana Baron Pinheiro: casada, mãe, mulher, filha, irmã, amiga, formada em Direito, aspirante à escritora, blogueira e finalmente, estudante de Psicologia. Descobriu no ano passado, com psicólogos e um processo revelador de coaching, que viveu sua vida inteira num cochilo psíquico. Iniciou uma graduação para compartilhar com os outros a maravilha da autodescoberta e que acabamos buscando aquilo que já somos. Lançou seu blog “Psicologando – Vamos refletir?” (www.blogpsicologando.com), com textos que retratam comportamentos e sua caminhada no curso de Psicologia.