A pessoa refil

* Por Eduardo Benesi

Notem: gente interessante tem sempre hora pra ir embora. Possuem compromisso no dia seguinte, logo cedo, e você insistindo ou não, acaba apenas contribuindo para que essa gente se torne ainda mais indispensável dentro da própria ausência estratégica. Gente interessante geralmente possui um olhar sem emergência, sabe quando irá embora, e mesmo quando está sozinha, mesmo sem uma cerveja-muleta na mão, consegue ser observada, consegue se sobressair, você ficaria horas olhando pra ela, horas não, porque ela vai embora antes disso.

Se você pensa que esse texto vai falar sobre essas pessoas, as interessantes, você se enganou: esse espaço amostral é sobre quem as descreve, é sobre quem fica paralisado querendo entender porque diabos alguém sai cedo da melhor festa do mundo, é sobre quem pede para que gente interessante fique mais um pouco. Existe também o resto da festa, aqueles que não possuem hora pra ir embora, gente que se demora, e que de repente muda de ideia e resolve pedir um colchão, e gastar a própria presença até o fim, até depois, até acordar de ressaca e enfrentar o sol do dia seguinte, porque não soube abrir mão no auge do clima.

Quero falar da “pessoa refil”, a pessoa refil  é a primeira que os amigos pensam em ligar para uma cervejinha, para um papo descontraído, para não fazer nada. É aquela que consegue estar “mode on” em todos os encontros da turma, que encara um happy hour de três horas bebendo sem limites, e depois faz uma horinha mais, ou duas, e eu que já fui garçom sei bem como é uma pessoa refil, e que ela ganha saidera, não porque consumiu bem, ou porque é simpática, mas apenas para ir embora, porque sim, até o garçom se cansa. A pessoa refil da trabalho porque quando o assunto acaba, ela começa a despedaçar a bolacha do chopp, faz migalhas de guardanapo, e bêbada ainda quer questionar a matemática da conta.

Sempre que ando pelas calçadas de lugares como a Paulista ou Vila Madalena, e aquelas pessoas uniformizadas vem na minha direção querendo um minuto de atenção eu invento uma pressa que nem sempre eu tenho, só pra não parar e depois fico me perguntando: fora as pessoas que de fato vão contribuir, que tipo de pessoa para pro “Green Peace”? E antes que você pense que eu não quero salvar as baleias, já explico que me refiro ao cidadão que está se dirigindo a você, querendo minutos da sua atenção e você sabe que seja lá o que ele disser vai perder tempo, porque você ta no cheque especial, e sabe que vai fazer aquela pobre alma perder minutos de trabalho falando contigo só porque pega mal negar-lhe os ouvidos, e por acaso, essa pessoa é do Green Peace, mas ela podia ser sei lá, do “Data-Folha”. Geralmente a pessoa refil é um prato cheio (e frio) para as pessoas que trabalham colhendo perfis específicos no contra-fluxo de ruas movimentadas. Frio porque ela não tem dinheiro no bolso, ela está apenas parando porque acha que contribui com o próximo, ouvindo o que o cidadão – que no fim das contas quer apenas o seu dinheiro – quer te sugerir. É quase um estado alienado, zumbi, “ser bonzinho” ou ser “refil” é ouvir o Green Peace por educação.

A pessoa refil é o terror dos vendedores de loja, e lá ela ganha o apelido de “caroço”: olha a vitrine, e também vai entrar apenas para olhar o que tem no interior da loja, e sim, temos o direito universal de dar “apenas um olhadinha”- quem nunca?- mas a pessoa refil, vai pro shopping quando não tem nada pra fazer, e quando você olha pra ela, você não repara se ela está ou não no shopping para fazer compras, você só percebe que ela não tem nada para fazer, não sei explicar, mas a pessoa refil possui a palavra “tédio” escrita na própria testa. É tão abundante em suas aparições que chega uma hora que o assunto falta, ela geralmente não tem muitas novidades, ela apenas não tem nada pra fazer, por isso veio. Ela está sempre online, sempre com status verdinho, e eu sinto medo de quem está sempre com o status verdinho.

A pessoa refil é geralmente a residual da turma, aquela que sempre pode, que sempre está, que nunca faltou. A palavra “não” é pouco utilizada, porque agradar o outro ou ocupar o momento não custa nada. A pessoa refil geralmente namora pra não estar sozinha, e vai burlar a sua dieta; será aquela que dirá: “hoje pode”. A pessoa refil na verdade pode não ser uma pessoa específica, pode ser uma época nossa, em que não fazer nada parece mais útil e atraente do que se entregar a persistência e ao esforço.

Mas eu gosto mesmo é de gente ocupada, não aquele ocupado que nunca pode, e quando pode parece que ta fazendo um favor. Gosto dos ocupados com brechas na agenda, gente que acorda cedo, gente compromissada, mas que tem uma vaguinha e não o estacionamento inteiro. Gente que tem um novo assunto, que tem novidade, porque no fim das contas metaforizando, quando nos deparamos com dois restaurantes, um cheio e outro vazio, nós queremos o cheio, do vazio a gente desconfia.

 

benesi* EDUARDO BENESI é Pedagogo, consultor cultural, formou-se também no teatro para atuar escrevendo. É um hispster inconfidente que carrega bandejas com cebolas gigantes para viajar o mundo, e o seu rodizio é de terça-feira. Pede tudo sabor queijo, da abraço demorado e tem um site em que coleciona pessoas e instantes: o www.favoritei.com.br