Os difíceis dilemas da vida que preferimos ignorar

* Por Frederico Mattos 

[sugestão de música de fundo]

Ao longo da vida enfrentamos situações difíceis, dilemas que nos colocam diante de confrontos quase impossíveis de resolver usando uma lógica simplista a respeito do que é certo e errado. Algumas condições humanas podem ser certas e erradas simultaneamente e não existe resposta óbvia ou caminho fácil.

A maioria das pessoas prefere não lidar com esses momentos a todo custo, pensando que evitar aquilo debaixo dos pano faz com que os problemas simplesmente desapareçam. Deixar uma pessoa que um dia já amamos, desistir de um trabalho lucrativo, mas moralmente penoso, permitir que um filho enfrente um momento difícil sozinho, encarar uma doença crônica ou fatal sem autopiedade, enfim, são muitas escolhas duras pela vida.

 

Katie Kirkpatrick Godwin decidiu casar mesmo tendo câncer em fase terminal

Katie Kirkpatrick Godwin, 21 anos, decidiu casar mesmo em estágio avançado do câncer

 

Ao contrário do pensamento comum, ignorar um fato não o torna menos doloroso ou amargo. Apenas o remedia falsamente e de forma geral coloca fermento na questão. Problemas humanos não desaparecem sem ação; crescem, mofam, se incrementam, criam garras e quando notamos ele ficou ainda mais impregnado em nós. O efeito colateral de evitar uma dor, uma perda ou um destino difícil é que, sem perceber, nos desfiguramos e moldamos para ajeitar aquela dor que tenta ser evitada.

Inconscientemente vamos criando uma casca de proteção para conviver com o espinho cravado no peito. Para proteger essa dor de mais dor criamos outros problemas, nos afastamos dos outros, recusamos possibilidades concretas de saída e até magoamos quem quer ajudar. Uma camada de dor vai se sobrepondo a outra, até que em dado momento da vida já não lembramos mais quem fomos originalmente. Aquela criança que tinha esperança, generosidade e doçura, com o passar dos anos para proteger um conflito moral antigo, acaba endurecendo, perdendo a confiança nas pessoas e agindo como se todos tivessem que pagar pelo mal secreto que carrega consigo.

Os resultados desse tipo de endurecimento podem ser vistos por todos os lados, é só procurar, repare. Pessoas incapazes de se relacionar intimamente com outras porque se fecharam numa mágoa quase irrevogável, seja pelo pai que se ausentou seja porque a mãe disse coisas terríveis. Quantas mães também carregam seus bloqueios e não conseguem se conectar com seus filhos por culpas secretas ou por lembrarem do namoradinho desaparecido que deixou um filho na rota de fuga…

 

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Cinco dias depois do casamento, ela faleceu e deixou um legado: agir mesmo diante de escolhas duras

 

Existem ainda os que fazem escolhas morais irreversíveis e, depois de cruzarem a linha do que consideravam certo ou legítimo, acabam agindo compulsivamente na mesma direção fúnebre, como quem compactua com a própria culpa e assume perpetuamente o papel de ovelha negra. Intimamente a pessoa não se sente merecedora de nenhum amor por ter prejudicado alguém. Ao se achar a única portadora dos desejos obscuros, aos quais também estamos sujeitos, acabam machucando pessoas queridas.

Quanto sofrimento causamos e ainda vamos causar por conta dessa inconsciência interior? Esta impulsividade associada à negação certamente criará outros ciclos de culpa, tentativa de expiação e problemas sobrepostos.

No consultório, ao ouvir diariamente relatos de dilemas impossíveis, no fundo o que as pessoas buscam é uma espécie de cura para o que não tem solução. Na verdade gostariam de apagar o fato de que seus desejos as levam para lugares prejudiciais e que na maioria das vezes, mesmo sabendo que caminham em direção ao precipício, não querem deter os próprios passos. Para alcançar o “prêmio” guardado no despenhadeiro moral, machucam a si mesmas crédulas que salvariam seus corações da dor fundamental de existir.

O que ignoram é que mesmo obtendo o emprego dos sonhos, o amor de suas vidas, o dinheiro milionário ou todo conhecimento do mundo, ainda assim lidarão com escolhas difíceis. Não é possível seguir numa direção sem sacrificar algo no meio do caminho. O que desejam silenciar com buscas insaciáveis é que ao escolher uma rota a outra é dispensada e que não conseguimos incluir todos os nossos pertences prediletos.

Uma vez que o tempo passa, os dilemas parecem não arrefecer e se tornam mais complexos e sem trégua. A velhice se aproxima, a morte ronda com mais força e as dores emocionais se tornam físicas. A ampulheta revela que não somos invencíveis e nosso ego é relembrado diariamente de sua dispensabilidade. Descobrimos que mesmo com todos os esforços (e tentamos freneticamente) aquilo tudo no que apostamos com todas as forças terá um fim. Até mesmo o consolo espiritual que muitos buscam não cicatriza com facilidade o fato de que a vida como a conhecemos em algum momento deixa de existir.

O que resta, então, parece ser esse sentimento inconveniente de finitude de que todos estamos no mesmo barco tentando nos distrair, colocando mimos no meio do caminho e criando pequenas aventuras e problemas. Tudo isso é muito bonito também, dá o colorido rotineiro, mas ainda parece insuficiente.

Em algum momento diante das perguntas essenciais (e ignoradas) da vida o que nos conforta é que podemos contar uns com os outros. Mesmo o mais miserável recorre ao seu cachorro de estimação para lidar com sua dor. Talvez o segredo da vida esteja nessa capacidade gregária de se proteger da dor. Nós já sabemos disso, principalmente quando pudemos contar com alguém e nos sentimos aliviados por compartilhar um segredo, uma maldade ou uma dor. Nesses tropeços emocionais é onde trombamos no amor daqueles que nos resgatam o que há de melhor.

É no fundo dos olhos de outro ser vivo, no reino das emoções autênticas, que encontramos o colo perdido da mãe e nele que podemos nos proteger das tempestades áridas das questões humanas.

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Esses questionamentos me despertaram o desejo de compartilhar um pouco do que experimento na vida e na clínica à respeito do mundo das emoções. Atesto diariamente que quanto mais conectados estivermos com essa dimensão perdida é que conseguiremos nos conectar com as outras pessoas de forma saudável . O convite está colocado, quem sabe possamos trocar um pouco de experiências de vida? [saiba mais]

construindo maturidade emocional

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Captura de Tela 2014-08-26 às 10.05.17* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros “Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique]“,  “Como se libertar do ex” [clique aqui para comprar] e “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos – Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094

 

 

 

Revisão: Bruna Schlatter Zapparoli

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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