O que o sobre a vida fez pela minha vida

*Por Eduardo Benesi

A vida inteira a gente fica se perguntando qual o nosso papel aqui ou qual a nossa serventia para o mundo. Isso às vezes nos perturba, é como se o nosso sentido de existência dependesse de uma espécie de legado generoso, uma herança em que as pessoas precisam lembrar-se de você por algo bom que você tenha feito. Muitas vezes a busca por essa resposta é quase como procurar uma cura para as nossas culpas sociais. É como aquela pessoa que para se sentir bem – ou menos culpada –, faz doações todo mês, mas se nega a ajudar outras pessoas fora desse script, já que cumpriu o seu crédito de caridade de acordo com o seu carnê imaginário.

A famosa culpa disfarçada de gentileza é um alívio mais comum do que pensamos. Praticar o desapego, comprar produtos politicamente corretos – mesmo que mais caros -, fazer um post consciente sobre os problemas da Cantareira, acusar os outros de mil coisas que você pensa/diz não ser. Tudo isso é bacana, legal, cool, mas ao mesmo tempo são formas que as pessoas usam para provarem ao mundo que estão adequadas a um padrão do que pensam ser o certo. Propagandeamos visões caridosas para provarmos que não somos tão ruins assim. Gente que com medo de ser tida como elitista tenta provar que tem menos coisas do que tem. Gente que de tão pressionada pela propaganda saudável da bicicleta, compra uma, só pra se sentir menos culpada por usar carro (eu), e reparem: por trás de quase toda crítica que alguém faz, existe um auto-elogio

logo sobre a vida

Digressões a parte, eu sempre gostei de transmitir cultura às pessoas sem que elas se sentissem incapazes por ainda não dominarem bem o assunto. O empoderamento cultural é também um tipo de capital extremamente polarizado dentro da lógica de divisão de classes. Diversos gêneros musicais, por exemplo, são tidos como menores por estarem diretamente ligados às camadas mais pobres, que geralmente possuem um acesso mais restrito aos gostos de elite. Quando o Fred Mattos me convidou para escrever quinzenalmente para o Sobre a vida, eu pensei em como essa minha vontade fazia intersecção com o fio condutor do site: a maturidade emocional. Percebi que escrevendo sobre cultura em um tom convidativo, didático (sem ser pretensioso ) e inclusivo, eu começava finalmente a exercer algum papel que envolvesse ajudar o outro – no caso o leitor. De forma simples, comecei a exercer essa consultoria cultural através dos meus textos. Ajudar as pessoas a abrirem suas portinhas de sensibilidade, consumirem cultura não só a título de ostentação, mas como uma espécie de óculos com grau: para entenderem o mundo, desmontarem preconceitos e aprofundarem a busca pelo autoconhecimento através da arte. Depois de um ano falando de teatro, cinema, viagens, fotografia e outros aspectos importantes envolvendo aceitação de mundo, posso dizer que me sinto bem desempenhando uma habilidade minha a serviço do mundo, mas sem que isso soe artificial ou envolva culpa.

Eu finalmente aprendi que fazer algo pelo mundo, não era algo restrito a pagar uma quantia fixa todo santo mês para alguma instituição de caridade, sem nem saber se ela existe mesmo. A tal maturidade emocional veio mansa, sem me obrigar a nada, sem culpa. Veio com muito prazer. O prazer de que as pessoas pudessem olhar o mundo com mais ferramentas, que elas soubessem por onde começar.

O sobre a vida teve um papel fundamental nisso tudo. É uma pessoa que te olha completamente desinteressada no julgamento. Te ouve como se a sua pior confissão já tivesse sido feita, e por isso, tudo dói menos, nada é tão grave assim. O Sobre a Vida exerce a tal empatia de um jeito elegante e arriscado, veste uma camisa de linho cor de rosa e uma bermuda básica descolada em pleno consultório, e pra nossa surpresa, tal ousadia sugere uma elegância maior do que se ele usasse um figurino diferente desse. No Sobre a vida eu ganho vários cogumelos verdes do Mario Bros. Eu nem me preocupo mais em morrer, nem em morrer de novo. Eu sei que dentro dessa vida eu ainda tenho várias outras esperando para serem usadas. O Sobre a vida nem sempre vai apontar a solução do meu problema, mas ele vai dar todas as ferramentas para eu me enxergar inteiro diante do pior dilema. Ele tem um caráter doce, mas nem por isso ingênuo, e essa doçura a gente descobre sem que ele tente nos convencer dela. O Sobre a vida fala baixo porque talvez ele não queira te vencer na opinião, nem estar certo, ele se parece comigo nisso: antes de atirar uma pedra, ele sempre olha o próprio telhado. O Sobre a vida é um ótimo conselho, mesmo quando ele apenas me ouve. Fora do consultório, ele seria um dos meus melhores amigos, não porque ele vive me fazendo pensar que ser normal talvez seja uma baita loucura ou omissão das mais dolorosas, mas porque ele nunca subestima o meu problema, nem por um momento. Ele me faz estar perto de mim, sem que eu tenha medo, sem que os outros decidam sobre quem eu serei. O Sobre a vida pra mim é uma avó moderna que me ensina todos os dias o que significa verdadeiramente ser jovem.

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benesi* EDUARDO BENESI é Pedagogo, consultor cultural, formou-se também no teatro para atuar escrevendo. É um hispster inconfidente que carrega bandejas com cebolas gigantes para viajar o mundo, e o seu rodizio é de terça-feira. Pede tudo sabor queijo, da abraço demorado e tem um site em que coleciona pessoas e instantes: o www.favoritei.com.br

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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