Maternidade: uma ação política

Como a maternidade está muito além de ter um filho

*Por Juliana Baron

Não tive tempo de pensar a maternidade antes de me tornar mãe. Sempre tive o desejo de ter filhos, mas não esperava que isso acontecesse aos meus 23 anos, quando eu tinha recém me formado na faculdade e iniciado um relacionamento. Aprendi o que era ser mãe, on demand, enquanto as demandas apareciam. O meu “pensar sobre a maternidade” foi acontecendo durante as minhas experiências no mundo materno, principalmente, quando eu me percebia sofrendo pressões externas e enquanto eu me questionava sobre que tipo de mãe EU gostaria de ser.

Talvez algumas mães nunca questionem as suas práticas e até achem todos os meus questionamentos um tanto exagerados, mas desde pequena carrego comigo um lado questionador e não teria como ser diferente ao me tornar mãe. Quais modos de vida desejo apresentar para os meus filhos? Como posso criar meninos que não funcionem na lógica machista? De que maneira posso ser útil na luta de outras mães? Que tipo de pessoas quero deixar para o mundo? São algumas das perguntas que me faço ao longo dos dias.

Posso dizer que meu maior exercício como sujeito, especialmente como mãe, vem sendo entender a minha maternidade também como ação política (não no sentido partidário). Dentro do curso de Psicologia, aprendi que toda ação é política, por mais privada que ela possa parecer. Quando escolhemos algo, escolhemos por toda a sociedade. Sei que essa colocação incomoda e pesa, mas é preciso nos atentarmos para o fato de que fazemos parte de um todo ou da tal sociedade que adoramos culpar e satirizar. Cada ação ou escolha que fazemos, individualmente, reflete no coletivo. Assim, se eu me incomodo com estatísticas ruins sobre o meu país, por exemplo, preciso me responsabilizar por elas e não achar que não tenho nada a ver com isso. Esse é o meu lado político que venho tentando desenvolver através das reflexões que compartilho nos meus textos e ao levar os meus dilemas maternos “privados” para a esfera pública, como forma de problematizar a realidade posta. Sei que, muitas vezes, pareço chata ao levantar algumas bandeiras com certa frequência, mas do que adianta reclamarmos da tal “sociedade” se nos descolamos dela? É claro que ainda tenho um longo caminho pela frente para aplicar todos os meus ideais teóricos na prática do dia a dia, mas o importante é que já calcei meus sapatos e já estou caminhando.

Como muitas das minhas leitoras sabem, como mãe, os meus maiores questionamentos e defesas se dão em torno da importância de julgarmos menos e acolhermos mais umas às outras (e confesso que esse é um mega auto exercício porque cresci nessa lógica de moralizar a vida alheia), de pensarmos mais profundamente sobre as nossas escolhas, de lutarmos por mais direitos para todas e por maior participação e implicação dos pais. Acredito muito que precisamos falar mais sobre todos esses assuntos, porque como eu disse antes, nem tudo o que acontece com você é só com você. E se acontece com você, acontece comigo e se acontece com você e comigo e com a minha vizinha, é porque é algo que precisa ser problematizado. Vou dar um exemplo bem comum: quantas de nós sofrem por precisar voltar a trabalhar e deixar o filho integralmente na creche quando ele tem apenas 4 meses?

Não acho que encontraremos uma fórmula mágica que resolva todos os dilemas comuns às mães, até porque apesar de as angústias maternas serem bastante comuns, as realidades são muito diferentes. Existem mães que escolhem voltar à trabalhar e mães que escolhem ficar em casa cuidando pessoalmente dos filhos. Ou melhor, existem mães que precisam voltar à trabalhar e mães que podem escolher. Existem mães que criam os filhos sozinhas (vocês jamais me verão usando o termo “mãe solteira”) e mães que possuem toda uma rede de apoio. Existem mães que gostam de cuidar da casa e outras que fazem porque não lhes é oferecida outra alternativa. Porém, apesar da diversidade, a única conclusão que me é certa é a de que precisamos, todas, exercitarmos mais nosso lado político e, quem sabe, nos engajarmos em movimentos nesse sentido. Precisamos falar mais sobre aquilo que nos angustia, para que um dia todas as mulheres possam escolher aquilo que desejam fazer com as suas vidas. E eu não falo aqui de uma escolha simples, mas de uma escolha genuína e consciente, porque somos atravessados por discursos prontos que nos levam a escolher. Ninguém nasce gostando de alguma coisa. Nossas preferências não são definidas geneticamente, elas são construídas nas relações que temos durante a nossa vida. Assim, muitas vezes, quando dizemos que aquela mãe está em casa cuidando dos filhos ou voltou a trabalhar porque, simplesmente, escolheu assim, precisamos ter cuidado e repensar mais além: por que aquela mãe escolheu o que escolheu? O que a assujeita, qual discurso está por trás das suas escolhas, porque nenhum deles existe em vão.

E que essa reflexão não soe cansativa ou utópica demais. As milhares de mães oprimidas, insatisfeitas e angustiadas estão aí para nos mostrar que a discussão é importante e fundamental.

Antes que falem o contrário, sou muito realizada como mãe e não mudaria, em hipótese alguma, a minha realidade, mas isso não me impede de questiona-la. Sou apaixonada pela maternidade, mas não quando ela me aprisiona. Gosto de estar presente nos cuidados com os meus filhos, mas não acho que ele seja algo que precise ser feito exclusivamente por mim. E quando, de algum modo, eu critico o nosso sistema operante, não estou me dirigindo às pessoas afetadas por ele. Não estou falando mal da Ana ou da Joana, estou questionando a maneira como estamos vivendo, ou não, como sociedade e suas consequências.

Esse texto tem como intuito, nessa semana que antecede a comemoração do Dia das Mães, o convite à reflexão, à desconstrução da maternidade que aprisiona, de nos colocarmos mais no lugar de outras mães e de nos entendermos como um grande sistema. Continuarmos com as nossas convicções e escolhas, mas questiona-las quando sentirmos necessidade. Desde que comecei a conversar com outras mães, ficou ainda mais nítida e urgente a importância de trocarmos mais e de nos unirmos mais. Precisamos nos entender como sociedade, pois apesar de vivermos realidades muito diferentes, e de sermos “sujeitas” com as nossas particularidades, estamos todas dentro de um grande coletivo e somente juntas, poderemos mudar qualquer coisa.

Enquanto algumas de nós estiverem sendo oprimidas, estamos todas. Enquanto mulheres morrerem por violência doméstica, morremos todas. Enquanto gestantes sofrerem violência obstétrica, sofremos todas. Enquanto mães forem excluídas do mercado de trabalho porque tiveram filhos, somos todas. Enquanto mães se sentirem angustiadas ao precisarem escolher entre trabalho e maternidade, perdemos todas.

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Baron* Juliana Baron: uniu seu amor pela escrita com um tom questionador que a acompanha desde que nasceu. Costuma refletir sobre a vida, sobre a maternidade, casamento, escolhas e outros temas do seu cotidiano. Adora um curso de autoconhecimento (em especial, os dias da sua análise), fazer faxina e comprar livros. Formou-se em Direito, mas felizmente nunca precisou atuar na área. Hoje é coach e estuda Psicologia. Escreve também no seu blog blog “Juliana Baron” (www.julianabaron.com), nos milhares de cadernos que coleciona, no projeto do seu livro, no bloco de notas do seu Iphone, nas cartas para os amigos e em qualquer superfície que cruza o seu caminho.

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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