Carta para uma suicida – dia #2 [sofrimento]

Sobre o sofrimento

O sofrimento foi sempre um acompanhante na minha vida. Desde cedo fui trombado pelo relacionamento difícil dos meus pais. Além disso sofri bullying de meninos mais velhos e fui seriamente ameaçado de morte (simplesmente por ser feio e desengonçado). Me preparei a vida inteira para não dar certo e isso, de uma maneira estranha me ajudou a ser quem eu sou.

Nunca esperei privilégios ou coisas ao meu favor. Talvez isso soe pessimista, mas na verdade me ajudou a ter uma resignação quando as coisas me frustravam. Imaginei passar a vida sem grandes amizades, com nenhum relacionamento amoroso e com uma carreira bem modesta. Quando as coisas começaram a operar de outra forma, talvez ajudadas por essa menor soberba ou pretenção de vida, eu via tudo como um grande bônus.

O sofrimento humano é a única coisa universal entre todos nós. Cada qual com sua particularidade, mas todos nós somos portadores de uma dor mais ou menos tolerável. Toda vez que tentei comparar ou medir minha dor caí no engano de achar que uma dor se valida mais que a outra. Não caio mais nessa.

Notei também que o sofrimento é um tipo de perspectiva distorcida do que me acontece. Se eu tropeçar – literalmente – posso ter duas visões: “nossa, que exceção essa queda” ou “esse sou eu caindo de novo”. Passei os últimos quinze anos tentando escolher a primeira, não queria mais me ver como um cara azarado, fracassado e triste. O que me acontecia de ruim era um desvio no caminho, não uma confirmação de que sou um desgraçado crônico. Não foi fácil, nem simples e contei com muitas pessoas que ajudaram a superar esse problema.

Isso mudou minha forma de me apresentar para as pessoas, eu nunca entrava numa interação com uma postura corporal pedindo desculpa por existir. Ainda que eu não estivesse num dia bom e levantava a cabeça e sorria. Sim, no começo era falso, mas minha “natureza” era muito dodói, depois, minha segunda natureza ficou menos dodói.

Essa perspectiva fazia gradualmente que meu sofrimento escorresse por mim, me comunicasse o que precisava e depois seguisse seu caminho. Mas no passado em que eu me achava um azarado eu cultivava o sofrimento como algo que definia a minha natureza triste, sofrida e perdida.

Quando meu pai morreu ele levou consigo algumas memórias bem ruins da minha relação com ele, éramos muito diferentes. Mas eu tentei não ficar reforçando o sentimento de autopiedade, ouvi o sofrimento e ele me disse: “mesmo com toda sua dureza em relação ao seu pai você o amava, de um jeito estranho, mas havia amor”. Enfim, desabei e dei mais ouvido ao amor do que à diferença.

O sofrimento, se olhado de uma maneira inteligente, está nos dizendo sobre que rota precisamos mudar, qual a fórmula de nós mesmos que esgotou, e o que precisamos abrir mão e nós. Precisei deixar de lado muita soberba e arrogância.

Quando essa fixação a respeito do que eu era foi sendo deixada de lado, notei que havia uma natureza livre e ainda não explorada em mim, comecei a colocar fermento por ali. Deixar de sofrer, acaba sendo uma disposição em seguir em frente, é um esforço não natural.

Em última instância, notei que o sofrimento é sempre pior quando me fecho, sem pedir ajuda. Sofrer junto acaba sendo melhor.
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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique], Como se libertar do ex [clique aqui para comprar] e Mães que amam demais. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana.

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Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094