Sobre merecimento

*Por Frederico Mattos

Quando alguém me diz que não merece ser feliz eu fico profundamente tocado. Claro que ninguém fala isso abertamente, mas age como se a felicidade não estivesse dentro do seu repertório de possibilidades. Essas pessoas vivem de migalhas emocionais, de refugos de afeto alheio e quase se fazendo pequenas maldades autossabotadoras.

Essa confusão nasce de uma concepção errônea, nem sempre consciente, do senso de merecimento.

A própria ideia de merecer é muito confusa, ela passa por um crivo tão arbitrário e aleatória que seria difícil de uniformizar todas as pessoas. Vamos às possibilidades:

Por que uma pessoa tem merecimento ser feliz?
A) Porque é boa (onde estão os registros dessa bondade?)
B) Porque os amigos dizem que ela é legal (precisamos reunir o testemunho de quantos amigos?)
C) Porque faz trabalho voluntário (se sacanear os outros fora do voluntariado também vale?)
D) Porque é uma pessoa religiosa (se vai nas missas, pregações, cultos é o suficiente?)
E) Porque apesar de ser uma pessoa egocentrica se redimiu nos últimos dias de vida (arrependimento pré-morte limpa a ficha suja?)
F) Porque o conjunto da obra parece guardar mais benefícios do que malefícios (como medir isso? Média aritmética?)
G) Porque Deus quis (e quando ele vai carimbar o passaporte de feliz?)
H) Porque os pais assinaram embaixo (mesmo se não são fontes confiáveis?)
I) Porque hoje foi um dia que a pessoa sentiu que estava com sorte (o critério do prêmio depende do premiado?)

Poderíamos colocar inúmeros critérios e todos eles seriam dificilmente mensuráveis. Como chegar num parecer conclusivo no meio da caminhada? Uma pessoa pode receber o crachá de “merecedor do ano” a qualquer momento? Enquanto ela não tem certeza disso ela pode ou não pode achar que merece ser feliz? Essa sensação de merecimento tem a duração de um dia e no dia seguinte têm que provar de novo?

A realidade dura dos fatos é que parece que todos nós temos uma noção bem distorcida sobre o que é bem viver. Somos culpados crônicos, com uma sensação de insuficiência brutal. Nossa auto-compaixão carece de tantos incentivos que nos agarramos a esse baixo senso de merecimento complementado com uma auto-desconfiança implacável em que nunca sentimos que alguma coisa basta. Merecimento está faltando na nossa prateleira porque nunca passamos no nosso próprio crivo. Inventamos a noção de uma vida tão inatingível que não importa o quanto remamos sempre é pouco para chegar na outra margem do rio.

Acho que no final das contas precisamos tomar consciência de que o projeto da vida é nos tornar felizes pela alegria, pela abundância e pelo progresso. Vida ruim não melhora ninguém. Então se for para obter merecimento vivendo desgraças esse não parece um bom caminho. Deixe de lado qualquer noção arbitrário de merecimento e siga numa vida que vai construindo o bem-estar dia após dia…

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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique], Como se libertar do ex [clique aqui para comprar] e Mães que amam demais. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana.

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Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094