O “segredo” do meu relacionamento

* Por Frederico Mattos

Dia 20 de julho, depois de comemorar bodas de algodão (anos de casamento) com Juliana recebi um recado curioso:

“Fred, você e sua esposa formam um casal tão lindo, qual o segredo para o relacionamento de vocês dar certo?”

Achei honesta a pergunta e tentei formular alguma resposta e talvez tenha sido mais poético do que científico, vamos lá. Se você se constrange ao ler revelações e intimidade recomendo que não leia esse texto, mas como não há nada de misterioso ou místico nesse texto saiba que verá um relato banal de qualquer relacionamento humano. Nem preciso dizer que a Juliana foi a primeira leitora desse texto.

Não acho que haja um segredo, para ser bem honesto existe bastante pé no chão, somos sequelados de outros relacionamentos complicados, seja por contexto, incompatibilidade de personalidade ou interferências de momento de vida ou familiares. Começamos o relacionamento bem torto, eu apaixonado platonicamente por ela que por sua vez curtia uma fossa de um ex que a abandonou do nada, literalmente. Eu tentei ficar próximo dela nessa situação amargurada e confesso que meu sentimento antecipado atropelou um pouco as coisas, ela se sentiu meio oprimida e até pensou em desistir.

Persisti, próximo, amando e acolhendo o medo dela em se machucar. O tempo foi se encarregando de fazê-la perceber que o ex era um cara confuso e que eu estava ali como uma personalidade e vida que era interessante à ela, sempre gostou de psicologia e assuntos humanos. A busca por auto-conhecimento nos aproximou e isso mantem uma boa dose de conversas ao longo da convivência.

Não somos um casal muito afetado, do tipo que fica declarando desesperadamente amor um pelo outro ou exigindo provas cabais de amor diariamente, somos ternos e afetuosos com tranquilidade. Nos falamos algumas vezes por dia via whatsapp devido nosso trabalho intenso. Eu funciono como telesena, só consigo me manifestar de hora em hora e ela é uma empresária absurdamente ocupada no horário comercial. O dia dela começas as 9h e acaba as 19 horas, o meu começa as 13h e vai até as 22h, temos rotinas invertidas. Mas nunca deixamos de compartilhar algo significativo do nosso dia um com o outro, mesmo com sono e cansados.

Adoramos a companhia um do outro, sou fascinado por tudo o que ela faz e principalmente pela maneira com que conduz as coisas e ela também, adora minha calma para lidar com a vida. O senso de humor, que ela reserva para mim, me tira da seriedade com que encaro as coisas e me arranca lindas gargalhadas, nada sofisticado, coisas bobas mesmo. Compartilhamos vídeos tolos como Partoba, uma médica americana que arranca espinhas ou seriados diversificados. Evitamos televisão, o que não nos deixa alienados ou distante de temas políticos, mas nos poupa de uma mentalidade coletiva que cede fácil por uma vida de massificação.

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Para essa foto linda ser tirada cada detalhe foi pensado com antecedência, nos planejamos na agenda e financeiramente (a câmera foi comprada com a mesma organização). Nada caiu do céu, tudo teve conversa, alinhamento e negociação de prioridades.

Nosso gato e amor intenso, Boris, confere um tipo de triangulação interessante, nos amamos por meio dele também, pois o carinho que ele demonstra por nós nos faz olhar para as nossas características complementares de um jeito especial.

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Esse é o Bóris!

Em matéria de dinheiro a Ju é super espartana, eu sou desligado, por isso consulto semanalmente meu consultor para não deixar escapar meu planos pelos dedos. O afinco dela em poupar, planejar, organizar planilhas é o que nos permite fazer viagens, viver bem e usufruir bem do dinheiro que ganhamos. Eu seria um marido pródigo, do tipo que não se organiza e gasta tudo, ela me contem e assim nos complementamos.

Não somos particularmente tarados, daqueles que se buscam sexualmente diariamente, mas somos absurdamente carinhosos com o outro, nos esbarramos, tocamos as mãos, nos aninhamos e também damos espaço. Quando o sexo surge é uma delícia, sem muita pressa ou aflição, por isso é bom e deixa com gostinho de quero mais. De alguma forma já nos acostumamos com nossa aparência, mas nunca deixamos de nos apreciar e levantar a bola um do outro.

Cuidamos um do outro, ela facilita o meu caminho e eu o dela, uma das coisas que prestamos atenção é de ninguém se sobrecarregar de demandas caseiras, o espaço é dos dois e os dois cuidam, eu cuido das louças/cozinha (e supermercado), das coisas do Boris, e ela se encarrega de encaminhar as roupas para lavar e a organização da casa (beleza e ordem). Uma vez por semana recebemos uma pessoa que nos ajuda com o trabalho bruto de limpeza e lavagem de roupa.

Ela cuida do meu cuidado físico e alimentação (sou doceiro) e eu cuido da visão de mundo dela, ambos nos amparamos nos momentos difíceis, oferecendo colo e pontos de vistas diferentes. Sou sonhador, ela me põe no chão, ela é pragmático, trago ela para as nuvens. De rasantes e vôos altos vamos realizando e tricotando nossos sonhos juntos.

Ambos detestam bate-boca, gritos e palavrões, ambos não são muito geniosos, mas somos muito bons em argumentar com inteligência nossos pontos-de-vistas, sabemos ceder quando necessário, alinhamos nossos valores e compartilhamos nossos projetos de tal modo que não venham a ferir ou engolir os desejos do outro. Aliás, colocamos na mesa assuntos difíceis com alguma frequência, não era fácil para ela, não deixo passar respostas vagas e incoerências, ela aprendeu comigo, agora me relembra desse mesmo princípio. Aprendemos a expor nossas fraquezas um para o outro sem críticas ou vingançinhas, respeitamos nossos limites e nossas fraquezas, não é simples.

Temos uma personalidade obsessiva, de jeitos diferentes, ela busca a ordem e a equanimidade na vida, eu a sofisticação existencial e emocional, perseguimos esses ideais, mas tentamos não sufocar a alegria e a bobeira. Somos caseiros e reservados na medida (apesar da vida pública) e isso talvez nos poupe de interferências desnecessárias.

Nossas famílias são bem respeitosas no que se refere a se meter na nossa vida, somos bem resolvidos com isso, ambos sabem colocar sua respectiva família no seu devido lugar (em raras ocasiões), ajuda é bem-vinda, azedume não.

Nosso fim-de-semana é sagrado e oscilamos entre fases de sociabilidade e ostracismo, tudo dependendo de nosso nível de cansaço ou carência social. Nossos amigos são uma alegria em nossa vida, nutrem nosso entorno de carinho, lucidez e leveza, o que quer dizer que somos criteriosos com as pessoas próximas, inveja, competição e fofoca não é com a gente. Aliás, se tem uma coisa que evitamos é manter uma posição rasa sobre as coisas e pessoas, treinamos um olhar de compaixão, afinal é muito fácil derrapar por extremismos. Radicalismo é uma postura bem pouco estimulada entre nós, somos muito inclusivos no que se refere aos seres humanos, e visões esteriotipadas das coisas e pessoas são evitadas do nosso cardápio mental.

Aprendemos a expor nossas insatisfações em linguagem não-violenta sobre algo que nos entristece um no outro e fazemos pedidos claros para melhorar, e ambos se esforçam. Acho que tudo isso se deve à pouca pressa que temos, nossa proposta é seguir compartilhando essa união por muitos anos, conversamos sobre envelhecimento, doenças e morte. Trocamos impressões sobre como cada um agiria diante da morte ou adoecimento um do outro, seja no que se refere ao protocolo quanto em como seguiremos em frente. Conversamos sobre o que nos faria distanciar e separar e mantemos isso sempre em perspectiva, afinal nada é garantido.

Como somos bem realistas, tentamos não sofrer de véspera e encarar cada dia no seu devido tempo, não é fácil, as vezes tropeçamos nos planos e ficamos ansiosos, depois ambos nos regulamos o passo. Essa cumplicidade ajuda, não somos adolescentes afobados e já entendemos que bater num individualismo cego não ajuda em nada, a vaga do estacionamento é apertada então procuramos estacionar com calma na vida do outro. Talvez possa parecer uma realidade distante para alguns casais, em especiais para os afobados e que querem resolver tudo para ontem. Desistimos disso, uma questão pode ficar encubada por um tempo e reaberta depois de alguns dias para nova conversa, sem forçar a barra. Cada um aprendeu a beber numa fonte pessoal de sabedoria e espiritualidade própria, e isso nos abre um caminho de lucidez no meio do caos.

Não há um segredo, mas muito esforço e cultivo mútuo, reconhecemos que seria muito mais fácil, em vários momentos, simplesmente jogar para cima do outro a culpa pelo que dá errado em nossa vida pessoal, mas não seguimos o caminho fácil, e isso dá um puta trabalho, respiramos fundo e seguimos.

Assumimos um ao outro como nosso projeto pessoal e como sabemos que nossa vida profissional e social se alimenta disso, o prato principal é nossa vida íntima. Enfim, como há uma grande diferença entre sentir amor e ter um relacionamento estável, pode ser que saia tudo torto e é provável que sairá, mas lembrar dessa falência potencial constantemente nos mantém vivos.
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Captura de Tela 2014-08-26 às 10.05.17* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique]Como se libertar do ex [clique aqui para comprar] e Mães que amam demais. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos – Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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