Ser psicólogo…

* Por Frederico Mattos

– Mãe, quero ser psicólogo – falei para minha mãe aos 12 anos de idade.

– Fred, essa é uma profissão de mulheres, tem certeza? – aconselhou preocupada tendo em vista o cenário da época.

– Sim, não me importa, quero curar as pessoas – conclui.

 

Nem tudo Freud explica, nem eu e nem ninguém. Ainda bem…

Como hoje é dia do psicólogo resolvi falar do meu ofício. Não sei de onde veio essa convicção sobre “curar” as pessoas, mas desde cedo eu tinha uma grande vontade de ajudar as pessoas de alguma forma. Sempre dei palpites, conselhos, puxões de orelha e recomendações aos amigos e familiares, ninguém escapava.

Fiz a faculdade com um único objetivo: conhecer tudo o que eu pudesse entender sobre a mente humana e explicar coisas que me intrigavam como o porquê do sofrimento, do amor, da vida e dos conflitos entre as pessoas.

A faculdade transcorreu rapidamente, meus amigos sempre seguiam para os bares da Rua Maria Antonia no Mackenzie e eu ia para a biblioteca. Ficava lá meio escondido para não parecer mais nerd do que eu já era. Cada livro era uma aventura e eu ficava imaginando cada pessoa que eu iria atender.

Antes que me formasse tive a oportunidade de ser acolhido num espaço que me deixou portas abertas para realizar meu trabalho. Ali descobri quais seriam minha possibilidades e limites.

Tenho 31 anos e uma fisionomia mais jovem do que essa, fico me imaginando nos primeiros atendimentos como as pessoas confiavam em mim.

Sei que muitos foram condescendentes com minha inexperiência, viam que eu era aplicado e que não deixava um questionamento passar em vão. Sempre mergulhei de cabeça em cada atendimento e nunca me conformei com respostas prontas.

Tive como mestres teóricos os grandes pilares da psicologia moderna e a ajuda de filósofos de diferentes épocas. Fiz muitos grupos de estudo de Freud na faculdade, devoramos as obras completas por muitos anos, depois me especializei em Jung e complementei minha formação com outras ferramentas valiosas como o conhecimento da Dinâmica da Espiral, o Diálogo de Vozes e as Constelações familiares. Sócrates, Nietszche e outros tantos pensadores e suas provocações aguçaram minha mente nesses anos.

Estou longe de ser um profissional pronto, mas acho que tirei boas conclusões desse ofício peculiar de psicólogo.

Meu raciocínio clínico tem muitas influências teóricas e gosto de fazer perguntas simples que poucas vezes ousamos fazer.

Sinto no meu corpo como as pessoas reagem ao que falo no consultório, quase que uma intuição. Confesso que parte do meu trabalho é frustrar as pessoas, de forma tão amorosa que muitas pessoas partem dos atendimentos com raiva de mim. Sei abandonar os pacientes dependentes no meio do caminho quando necessário. Aprendi a acolher aqueles que trazem questões sérias e nunca menosprezo uma lágrima sincera, acho um momento quase sagrado quando alguém se abre de uma maneira visceral.

Sei que nos levamos muito à sério e parte do meu trabalho é fazer rir e imitar as pessoas no seu próprio ridículo.

Com o passar do tempo passaram muitas pessoas pela minha faca afiada. Nem sempre ela cortou como eu gostaria.

Não sou implacável com as pessoas, mas com as vozes artificiais que habitam suas mentes contra si mesmas que dizem “você não tem valor”, “você não merece”, “a culpa é sua”.

Amo as pessoas e luto com elas em favor do algo mais que as eleva e permanece ignorado no meio dos escombros emocionais do passado.

Tenho profunda fé na capacidade humana de criar conexões positivas, mas não fecho os olhos para a podridão que todos carregamos quando teimamos em azedar o leite de nossas vidas.

Em quase 10 anos de profissão posso dizer que amei de algum modo cada pessoa que atendi e mesmo os que sairam insatisfeitos tiveram minha consideração mais estimada.

Já percebi que terapia não é pra todos e aqueles que procuram costumam ser as pessoas mais saudáveis do seu núcleo familiar, pois eles se inquietam com seus sintomas. As pessoas realmente doentes emocionalmente são aquelas que nunca mudam ou se questionam sobre nada. Por isso que me ocupo de quem quer melhorar, os que não querem eu anuncio “você não vai conseguir fazer terapia comigo”. Sou exigente comigo e com os outros e quem quer trabalhar sério e dedicadamente ofereço todas as minhas forças para que melhore.

Não sou paternalista, não obrigo ou constranjo ninguém a me procurar. As pessoas são livres e a cura não está em mim, apenas faço provocações inteligentes e não me acostumo com reflexões rasas.

Sei que muitas pessoas casaram sob minha tutela ou encontraram seu amor com minhas intervenções, alguns se despediram de relacionamentos doentios e outros tantos aprenderam a viver satisfeitos com sua solidão. Não acerto sempre, já tive essa pretensão, não sou um homem de aço. Vou até um certo limite, o daquele que fere minhas fronteiras psicológicas.

Sei que quanto mais eu caminho, mais consigo ir além do que já fui. Os insight pessoais que tenho me ajudam a reconhecer as barreiras e limites dos outros e enfrentar como quem já encarou os seus demônios.

Tenho muitos demônios, a maioria deles trabalha comigo, mas as vezes escapam ao meu olhar cuidadoso.

Confesso que tenho um único medo, o de terminar minha vida e ter passado meus dias em vão sem ter me comunicado realmente com ninguém.

Meus pacientes são muito generosos comigo, me pagam para que eu faça o que gosto. Sei que o dinheiro é importante para que minha vida tenha sabor suficiente para que eu continue seguindo feliz e sei que isso desobriga as pessoas a se sentirem culpadas de me sobrecarregar com suas histórias.

Adoro ouvir histórias de vida e sei que eles se sentam na minha frente e se fingem necessitados, mas sou eu que recebo muito por estar ali.

Consigo ver pessoas que chegaram pela primeira vez cansadas de si mesmas e com o tempo se tornam tão felizes que se esquecem de vir para a terapia. E é assim que tem que ser. O bom psicólogo é aquele que aprende a arte de se tornar desnecessário na vida de seus pacientes.

As pessoas quando se apaixonam deixam a terapia, acho bonito isso, pois ali irão exercitar tudo o que aprenderem em longas horas de conversa produtiva.

Muitos voltam depois de anos para fazer a manutenção, outros se perdem no meio do caminho e sei que estão bem e felizes. Sei que existem os intratáveis, aqueles com transtornos sérios e marcas indeléveis na alma e que precisariam de muitas vidas para entender coisas simples da vida como ceder, seguir e aceitar.

Somos miniaturas que se acham gigantes e essa é a nossa sina.

Posso dizer que nos últimos anos me sinto plenamente feliz e em paz com minha história e isso tem ajudado os outros sem que eles saibam.

Aprendi muitas coisas, mas sobre o mundo da terapia eu consegui perceber essas coisas aqui:

A vida é sempre um salto no escuro

– Não existe cura. A vida não é uma doença.

– Ninguém melhora se não quiser, e mesmo quando quer o trabalho é duro.

– Pequenas ações fazem toda a diferença e costumamos ignorá-las.

– As pessoas que você tem à sua volta influenciam muito a sua mudança e a sua estagnação.

– Somos viciados em sofrer que nada mais é do que a paralisia no pensamento.

– Nossas escolhas amorosas são mais baseadas em jogos de poder e estamos bem longe de compreender o amor verdadeiro.

– Falamos muitas coisas que nem nós acreditamos.

– Nos pautamos por crenças distorcidas sobre a vida e as pessoas e sofremos inutilmente por causas mortas.

– Defendemos posições extremistas e nem sequer sabemos o porquê.

– Escondemos os nossos melhores sentimentos atrás de uma mente orgulhosa.

– Não conseguimos superar as coisas do passado pois queremos sair por cima.

– Nem todas as causas se resumem a infância e mesmo quando começam ali só podem terminar hoje sob nossa determinação.

– Ter certezas demais é sinal de doença e não saúde.

Teria muitas coisas a falar, mas acho que esse blog já está cheio dessas ideias.

Aos colegas de profissão eu parabenizo, feliz dia do psicólogo!

Aos demais eu agradeço por me permitirem continuar a fazer o trabalho sujo de revelar o lado escuro e luminoso da vida.

__________

Captura de Tela 2014-08-26 às 10.05.17* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique], Como se libertar do ex [clique aqui para comprar] e Mães que amam demais. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. Oferece treinamentos online de “Como salvar seu relacionamento” e “Como decifrar pessoas” No Youtube seu canal é o SOBRE A VIDA [clique aqui] No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos – Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094

Tags :

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

Related posts