“Nem eu me aguento”

* Por Frederico Mattos

Quando uma pessoa constata-se pesada e insuportável até para si mesma, existe certo grau de sabedoria misturada com desespero. Ela nota que está no meio de uma tormenta emocional, mas pelo menos não culpabiliza ou atribui responsabilidade externa. Já percebeu que o buraco é mais embaixo, ou mais dentro.

Acabei de retornar de um retiro de meditação para entrar em contato com o silêncio retirado de maneira usual da vida.

Fiz práticas diárias de três, seis até nove horas de profundo contato com o silêncio. Engana-se quem pensa que é simples e fácil meditar retirado da sociedade. É quase uma maneira intensiva de audição interna. Curiosamente não achamos estranho quando alguém faz um intercâmbio para aprender uma língua estrangeira e se despede de amigos, família e trabalho, mas quando vai para um retiro, olhamos com espanto. Eu fui aprender um pouco mais da linguagem do silêncio , da linguagem da minha mente. Poderia, como faço, realizar esta observação na vida cotidiana, como alguém que faz escola de inglês, mas uma imersão nessa língua dá ferramentas diferentes, que seriam mais lentas na rotina habitual.

Quando a possibilidade é aberta você se defronta com tudo aquilo que fica oculto ou disfarçado pela aparente agitação externa. Ressalto, aparente, pois a agitação externa e interna são correspondentes.

Como o retiro é preparado para que você entre com consciência total de que é uma escolha e que todas as pendências pessoais estão relativamente encaminhadas, as velhas desculpas de “não tenho tempo” ou “esqueci o filho na escola” não colam. Você dedicou 168 horas para ficar em sua própria companhia, com sono e alimentação garantida e com o único “dever” de olhar para si mesmo, sem interferências do mundo externo.

Existem muitos tipos de meditação nas tradições budistas, católicas e hinduístas. Nesta em específico a instrução era simples, sente em posição de lótus ou semi-lótus, cubra os joelhos com suas mãos, deixe os olhos semi-cerrados, coluna ereta e observe suas respiração para se dar conta do espaço silencioso interno que pode se abrir [veja mais no final do texto].

A cultura ocidental é tão condicionada e identificada com a noção de que não é possível “parar de pensar” que qualquer um acha uma loucura fazer uma tentativa dessas. Loucura mesmo é achar normal não ter a opção de silenciar a correria interna que mais parece uma ambulância tocando a sirene bem alto a todo momento.

A proposta da meditação não é induzir a pessoa num estado zumbi em que nunca mais pense, mas ajudar que se olhe com atenção e daí analisar tudo o que se passa na sua maneira de enxergar a vida e as pessoas. Estamos o tempo todo inventando filminhos e historinhas e reagindo a eles como se fosse a verdade absoluta. Nunca paramos para pensar que na maior parte do tempo estamos delirando entre noções muito imprecisas da realidade. Grande parte das concepções de mundo, das pessoas à nossa volta e de nós mesmos está completamente obscurecida pelas distorções dessas paisagens internas. Pior de tudo, achamos isto óbvio e normal. Raras são as pessoas que colocam um ponto de interrogação em suas visões para se dar conta da realidade dura: temos uma conexão muito pobre com a realidade e estamos presos em padrões mentais que só nos levam para muito longe da vida.

Ali em silêncio você repara nos seus hábitos mentais, em como surge a impaciência, o orgulho, a vaidade, a inveja, a competitividade e também a bondade, a leveza, a compaixão. Qualquer tentativa de fugir desta percepção se desfaz quando um novo ciclo de meditação começa. Você começa a entender a origem do seu sofrimento e olhar com clareza que suas ações concretas, e os problemas decorrentes disso, tiveram base na sua maneira de operar mentalmente. É bonito e assustador experimentar na pele (mais que entender racionalmente) que a separação de mundo externo e interno é falsa. A raiva que sente do outro não está no que o outro faz, mas em sua visão do outro e pré-conceitos, logo ela é sua e o cultivo do hábito de reagir a essa raiva é responsabilidade sua, ninguém o obrigou. Não há um oponente externo efetivo.

E mesmo as pessoas de temperamento calmo poderão perceber três vícios ou obstáculos da mente (criados, condicionados, não-naturais) que fazem com que alguém não se aguente exatamente por estar aprisionada em imagens internas.

– a falação tagarela: tente pedir alguns minutos de silêncio para sua mente. Ela será grosseira, vai recusar e tentará puxar um assunto atrás do outro. Sua mente seria capaz de permanecer dias e horas inteiros tagarelando sobre tudo sem chegar a lugar nenhum. Tudo para manter um suposto controle da realidade. A mente está tão condicionada a falar e produzir conteúdos que só é possível perceber isso na hora de dormir. Não é incomum ver pessoas se distraindo para pegar no sono. Se deixar, a mente pega você pelo colarinho e canta “um elefante incomoda muita gente, dois elefantes incomodam, incomodam muito mais…” E assim vai.

– a insistência repetitiva: se não bastasse, ela é repetitiva e não vai parar de cutucar você, como uma criança mimada pedindo atenção. Assunto após assunto a mente aprisionada fará você saltar infinitamente de um tema para outro. Esta carência auto-centrada é um dos motivos pelos quais as relações são conturbadas, na maior parte das vezes você está ouvindo alguém com a cabeça engatilhada na contra-resposta. Raras são as vezes em que ouvimos os outros de coração desarmado, pois para isso é preciso um treino consistente.

– o ditador que arrasta: se não bastasse falar insistentemente, sua mente está constantemente impondo que a acompanhe em cada pequena narrativa criada. Passado, presente, futuro, a sua vida e a dos outros surgirão demandando reflexões ou meros comentários sem sentido simplesmente para manter o espetáculo vivo. E você se verá quase arrastado a embarcar em cada filme sem resistência e até com prazer na esperança de resolver qualquer coisa pensando.

A meditação ajuda você a descondicionar essa tendência a embarcar em cada pensamento. Neste momento de treino de silêncio você age como uma mulher esnobe que rejeita os convites persistentes do galanteador mental. Sua mente tentará arrastar você para todo o tipo de assunto, dos mais banais aos mais incríveis e você deixará passar, como se folheasse as páginas de um livro.

Olhando esse cenário todo parece até desesperador se dar conta que temos um tipo de operação viciada que rouba nossa paz o tempo todo. E é isso mesmo. Por este motivo, toda experiência traz uma dose grande de insaciabilidade, afinal não degustamos nada com plena presença, apenas nos debatemos achando que tudo é urgente e fundamental.

Mal respiramos em paz.  Tomamos uma rajada de tiros de ansiedade e apreensão constante e o corpo reage, cria dores, doenças e desajustes porque ressente tamanho desajuste mental. Só notamos o corpo tenso e meio torto na hora de relaxar.
Muitas pessoas precisam de férias numa tentativa normalmente frustrada de se recuperar da maratona enlouquecida e tarefeira de quem se acha o salva-vidas da humanidade.

Quando você se retira de verdade nota que o mundo continua girando sem sua onipresença. As pessoas são felizes (ou não) sem seu dedo interferindo em nada. Quem se acha indispensável cai do cavalo. Diante da morte, desaparecimento ou ausência todo mundo se adapta de um jeito ou de outro. Provavelmente as mortes de efeitos mais perturbadores são daquelas pessoas que mais tentavam controlar e até manipular a vida de todo mundo. As pessoas equilibradas deixam saudade e não desespero. Os imperadores da vida cotidiana deixam órfãos psicológicos dependentes até da capacidade de tomar decisões próprias.

O mais interessante é notar as reações ao longo dos dias. No primeiro, você fica brigando com a posição do seu corpo e com a correnteza de ideias desconexas que brotam sem anúncio prévio.
Em outros momentos surge quase uma claustrofobia mental, pois mesmo num lugar lindo, amplo e aberto você se vê enjaulado com um louco que não para quieto na sua cabeça. Superar esse primeiro choque é para os espíritos fortes.

O tédio, a sonolência e a inquietação são outras companhias sempre presentes. Mesmo dormindo bem ela teima em surgir, afinal nossa mente é treinada para alternar entre o estado dormindo e acordado alucinado. O caminho do meio não existe, logo se não está agindo, matando cachorro a grito, interagindo com alguém ou se sentindo útil, aplaudido ou importante sua mente se vê impelida a dormir. Triste não?
Enfrentar os minutos que passam em câmera lenta – onde um dia parece três – é um desafio constante. Achamos tedioso esse pensamento de não-ação exaustiva. Essa rotina interna e acelerada constante autoimposta não parece dar lugar para fazer nada. Sentimos certa lassidão e cansaço quando não estamos matando tarefas.

Um dos pontos de reflexão, entre tantos, que cheguei, é que a correria da qual nos queixamos é consequência de um estado interno que se reflete fora. O senso de urgência só é resultado dessa importância exagerada que damos para atender nossos desejos mimados.

Você tem a chance de uma amostra grátis dessa experiência a qualquer momento. Só dedicar 5, 10 ou 15 minutos, puxar uma cadeira ou sentar no chão e experimentar [para mais instruções veja o link lá embaixo]. Certamente descobrirá que a sensação de ser insuportável para si mesmo tem jeito, mas deverá ser treinada do mesmo jeito que vem treinando desde pequeno esse tipo de fixação mental em torno de si mesmo.
O mundo é bem maior que seu umbigo, e só descobrirá quando se der a chance de olhar para ele, sem pressa e sem controle.

PS: para saber mais sobre como meditar e os efeitos de experiências mais prolongadas recomendo os vídeos lá embaixo.

PS2: Link para uma lista de locais no Brasil todo que oferecem treinamentos formais budistas sobre o assunto para budistas ou não-budistas [clique aqui]

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para venda do livro 2

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Avatar fred barba* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor do livro “Como se libertar do ex” [clique aqui para comprar] e “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos

 

 

 

 

Foto gentilmente cedida do Papo de Homem

Foto gentilmente cedida do Papo de Homem

Revisão: Bruna Schlatter Zapparoli

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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