Autoral é tudo aquilo que você não sabe de quem roubou

* Por Eduardo Benesi

Autoral é tudo aquilo que você não sabe de quem roubou

É engraçado quando flagramos alguém nos copiando. A gente acha improvável, mas até no Facebook existem apropriações indevidas. Já peguei muito plágio de post meu, igualzinho, escancaradamente. Não vou mentir, talvez por ego, por ciúme dos meus escritos, em alguns casos chego a questionar a pessoa, algumas pedem desculpas e colocam os créditos, mas a grande maioria te deleta, bloqueia, responde com estupidez. Mais complicado ainda é quando você divide uma grande ideia em grupo ou com alguém, e tempos depois alguma dessas pessoas passa a reproduzi-la como dona do insight. Com o passar do tempo, em muitos casos a pessoa acredita mesmo na própria autoralidade. A criatividade talvez tenha esse tom memorialista mentiroso, que se mistura ao ego e se transforma em um discurso exclusivista.

roube como um artista

Imagem do livro “Roube como um artista”

Por outro lado, sou defensor da teoria de que não existe criatividade, existem mesmos que mudam de cor. Intelectualmente falando, a gente rouba e é roubado o tempo todo. Existe gente sorrateira e cara de pau, que rouba um termo “seu” na caruda, mas no fundo você sabe que aquele termo não é seu, você apenas o reproduziu em um nicho que o desconhecia. Não faria muito sentido uma pessoa vir te pedir autorização para usá-lo, mas no mundo dos culpados de carteirinha como eu, é comum o tal pedido de permissão da minha parte. Existe também o processo contrário: autores que ganham fama por obras que nunca fizeram, e nesse quesito, a grande campeã é Clarice Lispector, a musa das falsas-atribuições.

boquinha da garrafa

No mundo da música, as misturas envolvendo canções já consagradas viraram uma grande mania dos descolados. Fazer colagens envolvendo gêneros – às vezes até conflitantes – e transformá-los em novas versões bem humoradas, as famosas mashups. https://www.youtube.com/watch?v=VijULdhBwIs

Lendo o livro “Roube como um artista”, eu finalmente aprendi a fracionar melhor essa sutil fronteira entre o roubo e o plágio. Talvez a tal originalidade que as pessoas tanto alardeiam, esteja em fazer uma mistura consciente de referências e depois transformá-las em algo supostamente novo, que se mistura ao nosso olhar – esse sim um elemento único. De forma simples, sincera e divertida, o autor Austin Kleon desvenda como funciona o processo de garimpo para que a criatividade exista. O livro não é um manifesto desonesto sobre como ser oportunista com a ideia do coleguinha, mas explicita o processo de criação incluindo uma parte em que poucos têm coragem de tocar: o tráfego e a captura de ideias alheias.

capa livro roube“Aprendemos a escrever copiando o alfabeto. Músicos aprendem a tocar treinando escalas. Pintores aprendem a pintar reproduzindo obras-primas. Lembre-se: Até os Beatles começaram como uma banda cover. Paul McCartney confessou: “Eu imitei Buddy Holly, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Elvis. Todos nós fizemos isso.” Mc Cartney e seu parceiro John Lennon tornaram-se uma das maiores duplas de compositores da história, mas como Mc Cartney lembra, eles começaram a compor suas próprias músicas somente “como uma maneira de evitar que outras bandas tocassem o nosso repertório”. É exatamente como Salvador Dali alfinetou: “Aqueles que não querem imitar nada, produzem coisa alguma.”.  pág 43 – Roube como uma artista

Como costumo dizer, stalkear não é uma doença, é um hábito completamente comum, mas que ganhou um sentido pejorativo porque boa parte de quem stalkeia, consome o pensamento alheio em silêncio, sem curtidas, sem palmas. São admiradores secretos que vivem no “esgoto” do anonimato. Mas existem os stalkers assumidos, aqueles que incentivam, dão like, consomem assumidamente suas fontes informativas. Eu credito boa parte do que sei na vida não só às minhas espiadinhas na timeline do vizinho, mas às conversas alheias que tento ouvir em espaços sociais que frequento. Faço isso sem culpa nenhuma já que uso o que ouço para alimentar minha arte e não para expor a privacidade das “vítimas”.
A propósito, a frase que dá título a esse post foi “roubada” de uma foto de Instagram de um ídolo meu, que ele por sua vez tirou de algum muro ou placa sem autoria. Isso se aplica também a foto com os dizeres atribuídos a Clarice. Trata-se de um print da foto que uma amiga minha tirou de um muro, durante o carnaval em Salvador, cópia da cópia. E é assim que corre o rio das ideias, a gente recebe, se apropria, junta, cola com outras e está pronta a tal criação.
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benesi* EDUARDO BENESI é Pedagogo, consultor cultural, formou-se também no teatro para atuar escrevendo. É um hispster inconfidente que carrega bandejas com cebolas gigantes para viajar o mundo, e o seu rodizio é de terça-feira. Pede tudo sabor queijo, da abraço demorado e tem um site em que coleciona pessoas e instantes: o www.favoritei.com.br