O que eu aprendi sobre mim mesma quando decidi parir

* Por Juliana Baron

Sobre parto e empoderamento na vida

 Voltei da minha breve pausa literária e juro que tentei fugir dos assuntos que envolvem a maternidade, mas não teve como, já que estou imersa nela. Também li o texto sobre parto do Michel Boczko no blog “Papo de Homem” (http://www.papodehomem.com.br/parto-natural-hospitalar-e-parto-domiciliar-assistido-o-relato-de-um-pai-de-dois-filhos/) e achei que a reflexão também cabia nesse espaço e que valia o compartilhamento da minha experiência.

Já antecipo que esse texto não visa julgar ou convencer ninguém. Escrevo aqui para quem busca informações. Queria eu que há cinco anos houvesse tantos relatos lindos e empoderados sobre parir, e não focados somente na dor. Queria eu ter sabido que bebê dito grande, gestação passando de 38 semanas (SIM) com colo alto (nessa segunda vez, meu colo alto cedeu e dilatou em menos de 24hs) e infecção por bactéria não eram motivos para agendar o nascimento do meu filho (que ficou um tempo na UTI por desconforto respiratório). É porque tive medo da dor e não tive acesso às informações necessárias, que me sinto na obrigação de escrever.

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Na minha primeira gestação, fui engolida pelo sistema cesarista brasileiro e vivi uma “desnecesárea” eletiva, aquela com dia e hora marcados. Na verdade, não vivi, fui vivida, já que nesses casos há pouquíssima participação da mãe, que nem em trabalho de parto tem a oportunidade de entrar. Não nego que também tive responsabilidade nessa escolha, porque estava ansiosa e cansada, mas hoje sei que fui fortemente influenciada por aquela em que mais confiei naquele momento, minha obstetra. Também não tenho grandes traumas da vivência em si. Minha recuperação e minha cicatrização foram perfeitas e logo eu estava vivendo uma vida normal. Porém, hoje percebo que a questão não é só sobreviver ou estar tudo ok. Como eu tinha o desejo, mesmo que inocente, de viver um parto normal, as informações equivocadas dadas pela minha médica e o seu desencorajamento, fazem com que eu sinta que fui privada de exercer meu poder de escolha. Além do risco em que coloquei meu filho ao arranca-lo de dentro de mim sem ter a certeza de que ele estava pronto para nascer. Por uma conveniência dela e minha. Uma coisa é quando você marca a data da cesárea porque era isso que sempre quis fazer, outra é quando te enchem de mentiras para que você acredita que a cirurgia é o melhor caminho. Afinal, você não quer colocar a vida do seu bebê em risco, ou quer?

Até dois anos atrás, eu não entendia como violências, física e emocional, o que sofremos, eu e meu bebê. Só quando comecei a ter acesso a informações, entendi que não pude protagonizar o meu parto porque alguns médicos estavam roubando para si o poder daquele momento, que é tão da mulher. Não, não sofro pelas escolhas passadas, porque eu só tinha 23 anos e não era empoderada na vida, de forma geral. Deixava que decidissem por mim, que interferissem nas minhas escolhas e não teria como ser diferente com o parto.

Assim, quando comecei a pensar em engravidar novamente, há dois anos, decidi que faria tudo diferente. Vivia outro momento da minha história. Já entendi o que era ter as rédeas das minhas escolhas nas mãos, não deixava mais que terceiros guiassem a minha vida, havia resgatado minha mulher selvagem, minha alma e não deixaria, de forma alguma, que me tomassem o direito de parir. Só passaria por uma segunda cesárea, se não houvesse NENHUMA chance de que meu bebê nascesse por via vaginal.

Coloquei luz sobre todas as minhas dúvidas, questionamentos e medos. Como munição, mergulhei em informações de qualidade, voltei o meu olhar para quem se mostrava alinhado com o que eu desejava e busquei aliados fortes. Não fiquei de conversinha fiada. Entrei na batalha por mudar a forma de nascer no Brasil, começando por mim. Troquei de obstetra (encontramos um que, de fato, é entusiasta e defensor do parto natural/normal), encontrei uma doula, comecei a preparar meu corpo, minha alma e as pessoas ao meu redor.

Claro que enfrentei preconceito, fui debochada, desacreditada, escutei histórias “reais” sobre o mito da dilatação, do bebê sentado, do cordão assassino. Precisei fazer muita cara de paisagem e entender que o que vinha de ruim dos outros, era deles e não meu. Chorei bastante por conta dos obstáculos que foram se colocando diante do meu desejo de parir, como a descoberta da diabetes gestacional, as minhas sombras, meus entraves emocionais, minha ansiedade, minhas autossabotagens, a possibilidade de precisar induzir o parto. Mas aos poucos, fui vencendo cada barreira e segui firme na minha vontade e fé de que tudo daria certo.

Como resultado de toda essa busca, de todo esse desejo que eu sentia em cada célula do meu corpo e de todo esse preparo, no dia 31/03/15, às 22:46, depois de 46 horas de contrações, pari. Amo essa palavra e o seu significado. Vivi um parto normal, humanizado, na água, cercada de pessoas muito importantes.

Foi tudo como eu planejei? Não. Eu queria um parto natural, sem qualquer intervenção, mas no final, minha dilatação desacelerou e eu já estava muito cansada. Ou aplicávamos ocitocina ou talvez eu não tivesse conseguido. Não escutei as músicas que selecionei com tanto carinho, não fiquei abraçada no meu marido e também não vivi, de forma consciente, nada transcendental. A partolândia não me deixou lúcida o suficiente para me imaginar como uma deusa parideira. Mas não tomei analgesia, não pensei em nenhum momento em ir para a cesárea e enfrentei todos os meus medos da vida ali, dentro de uma banheira, diante de quase dez pessoas.

E desde esse dia, virei ainda mais defensora do parto natural/normal. Quero e, pelo visto, já ando conseguindo com a minha insistência e trabalho de formiguinha, mostrar para as mulheres que elas conseguem e que vale cada contração, passar pela experiência de fazer a força que faz o seu filho vir ao mundo. Que você não precisa ser nenhuma índia, hippie ou “ecochata” para parir. Basta que você acredite no seu corpo.

Pensando sobre isso, acho que um ponto que deveria ser mais discutido diante desse quadro de cesáreas excessivas e desnecessárias no nosso país, é o do receio pelo protagonismo na vida, de uma maneira geral. Como amo o universo feminino e pretendo trabalhar dentro da Psicologia, com mulheres que perderam a sua alma, envoltas em tantas demandas do ego, percebo que o medo do parto tem relação direta com essa falta de empoderamento. Não acreditamos mais no nosso corpo, na nossa natureza selvagem e não nos entregamos. Vivemos buscando controle, previsões, fórmulas mágicas. Criamos expectativas e fazemos idealizações. Não queremos esperar o corpo se manifestar avisando que está pronto para fazer o bebê nascer. Queremos que ele nasça perto do feriado, antes do final de semana ou no dia em que você beijou o pai dele pela primeira vez. Não queremos deixar que a natureza faça a sua parte, assim como acontecem com as marcas que o tempo deixa em nosso corpo. Queremos agora, queremos quando a decoração do quarto estiver pronta. Queremos botox aos vinte (para “prevenção”, como se envelhecer fosse uma doença), não importando se iremos parecer um quadro de Picasso, aos cinquenta.

Portanto, na sociedade de hoje, consumista, da coisa pronta, das facilidades, da medicalização, você escolher parir, peitar padrões, o que chamam de “normal” porque é comum e assumir que você deseja passar por essa experiência, tornou-se um ato de coragem. Te chamarão de índia e de louca. Usarão termos como “ditadura do parto normal” para fugir do assunto. As que se deixaram vencer pelo sistema, pelo medo do empoderamento, porque o poder assusta mesmo, ficarão incomodadas, justificarão suas escolhas baseadas nos velhos mitos e encontrarão alguma maneira de transferirem para você, suas próprias frustrações. Por isso, escrevo para quem quer fazer diferente e não para quem se diz certo daquilo que deseja. Escrevo para encorajar quem deseja coragem e para empoderar quem deseja sentir e se responsabilizar por esse poder.

E eu juro, que mesmo doendo, porque dói e você precisa querer muito para não desistir, você sairá dessa vivência muito mais forte, mais capaz e mais segura de si. Você até sentirá saudades da dor porque ela te fez crescer. Das suas entranhas, saiu muito mais do que um bebê, saiu uma nova mulher. Daquele nascimento, você renasceu e nada é mais poderoso do que essa entrega e sentir a vida na sua representação mais pura e plena.

Para quem se interessar, publiquei um vídeo com o relato do meu parto (ele só pode ser visualizado de um computador).

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Baron* Juliana Baron Pinheiro: uniu seu amor pela escrita com um tom questionador que a acompanha desde que nasceu. Costuma refletir sobre a vida, sobre a maternidade, casamento, escolhas e outros temas do seu cotidiano. Adora um curso de autoconhecimento (em especial, os dias da sua análise), fazer faxina e comprar livros. Formou-se em Direito, mas felizmente nunca precisou atuar na área. Hoje é coach e estuda Psicologia. Escreve também no seu blog “Psicologando – Vamos refletir?” (www.blogpsicologando.com), nos milhares de cadernos que coleciona, no projeto do seu livro, no bloco de notas do seu Iphone, nas cartas para os amigos e em qualquer superfície que cruza o seu caminho.

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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