Patinho feio (ou bonito) – 2a parte de 3

No texto anterior falei sobre minha experiência pessoal com a feiúra.

Nesse texto quero abordar a experiência da feiúra e a formação da personalidade. Não vou discutir o relativismo sobre beleza e feiúra (sei que isso é muito mais abrangente e profundo do que aquilo de que trato nesse texto), partimos do ponto que sabemos quando estamos de frente de uma pessoa feia ou perto disso. Sem hipocrisias.

Já ouvi de mulheres que ele é muito charmoso... Mas bonito?

Hoje mesmo, vindo para o consultório no ônibus ouvi uma moça falar despachadamente: “No trem X a gente sabe que vai ser encoxada de um jeito ou de outro, é inevitável. O que resta é só olhar para trás, se for feio a gente manda ir para o lado, se é bonito a gente até que gosta! Não dá pra ser hipócrita, né?”

Eu fiquei rindo por dentro. Ela foi muito honesta, ainda que isso contrarie os bons modos femininos (ou aqueles que inventaram para elas).

Mas vamos a questão da falta de beleza.

Noto que a criança feia é menos amada que a bonita. E quando é mais amada parece uma forma de compensação dos pais que não conseguem admitir a feiúra do filho.

Alguns podem ficar chocados e dizer que não sou pai para dizer isso, mas o fato é, apesar da hipnose que uma criança causa nos pais eles sabem quando a fôrma saiu um pouco torta.

Na lojinha de bairro a criança bonita atrai olhares: “que olhos são esses, me dá um?”. Na escola recebem mais feedback positivo. Como ficam os feios? Pense no mundo contrário.

Quando digo que a criança feia é menos amada quero evidenciar que o mundo prioriza a beleza de uma criança em detrimento de outra que não é bonita. Eu também não gosto de admitir que o mundo (inclui eu e você) é assim, mas é.

Crescer como uma criança feia quer dizer que você é menos olhado, menos reforçado, menos elogiado, menos tocado e que por isso seus pais te incentivam sabendo de que a vida será mais dura para você.

Não posso afirmar que é uma experiência universal, mas é o que se vê e o que se relata na maioria dos casos.

A criança feia precisa desenvolver outros atributos como inteligência, simpatia, generosidade e bom humor. Não pode contar com as portas que se abrem para os belos de natureza. Se está numa fila o feio é deixado para depois, recebe menos gentilezas e precisa tolerar descasos. Veja o vídeo do meu último post de Xico Sá.

Se acostumam com uma certa invisibilidade social que pode ser asfixiante para o seu coração sempre carente.

O feio não tem direito de escolher, mas ser escolhido. Isso se for escolhido.

Essa ditadura da estética consegue ainda ser mais cruel com mulheres do que com homens.

Mulheres feias são dignas de vergonhas no universo masculino. “Jamais admita que saiu com uma mulher feia”, é o que se fala.

Homens feios são tolerados. Se ele for engraçado, inteligente e agradável pode se tornar até charmoso.

A menina feia é alvo de duplo ataque escolar, pois além de ser menina (alvo fácil de garotos violentos) é feia.

A pessoa feia tem que desenvolver uma certa musculatura social mais forte. Isso vem associado com uma capacidade de lidar com frustração, em alguns casos patológicos chega a pular do navio antes mesmo que se anuncie o naufrágio.

A timidez é um acompanhante constante daquela pessoa que foi relegada ao insucesso nas paqueras. O feio sofre de um recolhimento no mundo da essência. Prega para si mesmo que o que realmente importa é o que temos por dentro. Internamente gostaria de ser bonito por dentro e por fora, mas só lhe resta o consolo interior.

Desenvolve virtudes para se destacar dos demais. Na arte da paquera costuma comer pelas beiradas, tenta ser o melhor amigo da pessoa amada até tentar a paquera final. Normalmente fracassa em suas investidas desconcertadas.

O feio é especialista em amores platônicos. Cultiva anos de relacionamento com pessoas que jamais saberiam de sua existência.

Se você tem dúvida da discriminação que uma pessoa feia passa repare quando anda na rua. “Mal encarado” não é o menino com cara de pobre ou “favelado”, mas o menino feio. Se fosse bonito, o medo seria menor. Nos filmes de terror quem são os vilões? Normalmente pessoas feias.

Você atravessaria a rua?

Devo deixar sublinhado aqui, não concordo e nem me permito seduzir pelos julgamentos comuns, mas não me escapo a eles.

E aliás, o mais intrigante é que por incrível que pareça o feio adora falar de outro feio. Não perdoa nem seus pares, pois sempre acha que pode ser mais bonito ou menos feio que alguém.

Feios ou bonitos ninguém foge do preconceito a feiúra. Amanhã tem mais, vou falar do universo dos bonitos…

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About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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