Crônicas da vida – Grande merda !

 Por Mariana Martinho

Pós almoço, um silêncio pesado e preguiçoso domina o ar do escritório. Inúmeros cubículos, cada qual com seu funcionário sonolento, se estendem ao longo da ampla e abafada sala coletiva.

Em uma das repartições há um homem, que assim como seus colegas, finge que trabalha no computador enquanto acompanha redes sociais e sites de fofocas. Alheio ao ambiente pensa na vida, pensa na namorada, pensa no almoço do último domingo com a família dela, pensa no almoço que teve hoje. Ao se lembrar da pesada feijoada servida no por quilo todas as quartas-feiras, sente um leve enjôo, ou o começo de uma discreta contração abdominal.

Não vou mais aguentar !

 

Em minutos as contrações passam de discretas a moderadas, e logo depois a severas e ruidosas. Incomodado, sente os doloridos movimentos peristálticos acelerados enquanto toma a decisão de ir ao banheiro.

Discretamente se levanta e, tentando agir normalmente em meio ao suor frio que percorre seu corpo, segue para a área de descanso, como quem vai tomar um cafezinho e já volta, e entra finalmente no banheiro.

O toalete é coletivo e de uso exclusivamente masculino. Diversas cabines de vasos sanitários se situam à frente de uma parede com mictórios. Em desespero, o homem segue para a cabine do meio. Não há tempo para se preocupar com a higiene, assim que fechou a porta já arriou as calças e sentou, soltando o peso na tampa do vaso.

Ao sentar-se, porém, escuta a porta do banheiro se abrindo. Um colega entra assobiando e pára exatamente no mictório à frente da única cabine ocupada. Com dificuldade o homem segura a ânsia de liberar o incômodo, não está acostumado a defecar em ambientes públicos.

Uma musiquinha irritante de celular toca e o homem no mictório atende, pela voz dá pra reconhecer quem é: O diretor. Não um diretor qualquer, mas o diretor que é famoso pela falta de noção e conhecido por gostar de deixar seus funcionários nas mais embaraçosas situações.

Desesperado, o homem na cabine não consegue mais agüentar e alguns gases fétidos e barulhentos escapam, seguidos de um conteúdo pastoso que, ao despencar pelo vaso, ressoa alto pelo banheiro como sinos de uma catedral em dia de feriado.

O diretor faz uma pausa abrupta no diálogo ao telefone, como que ouvindo os sons da cabine. Não há como ter certeza de que ele ouviu, mas não há dúvidas de que ele sabe o que está presenciando, o cheiro pútrido de excrementos tomou o banheiro inteiro.

A essa altura, o homem na cabine já estava amaldiçoando até a quinta geração da cozinheira que preparou a comida gordurosa. Definitivamente feijoada e dias quentes não combinam.

O diretor desliga o celular, sobe o zíper da calça e lava as mãos, enquanto o funcionário se sentindo humilhado tenta se limpar sem que o papel higiênico produza sons ainda mais condenadores.

Após a saída do diretor, o homem permanece sentado no vaso durante vários minutos ainda, mais por vergonha de sair dali e encarar o chefe do que pela diarréia propriamente dita. Enfim, toma coragem e se levanta. Segura a descarga por bastante tempo, até se certificar de que toda a porcaria foi embora. Abotoa a calça e o cinto e sai da cabine. Com passos pesados e culpados anda em direção ao lavatório.

Sai do banheiro rezando para que nenhum respingo de fezes tenha atingido suas roupas. Ele espera pelo pior, espera que todo o departamento já esteja sabendo do ocorrido. Se arrasta cabisbaixo de volta ao seu cubículo e aguarda pela humilhação pública que com certeza está por vir.

Espera a tarde toda e nada, todos os colegas continuam tratando-o normalmente. As dúvidas pairam no ar, por que o diretor ainda não fez nenhuma piadinha? Será que ele não vai contar? Será que teve dó do pobre homem com dor de barriga? Será que ele não sabe quem era o autor do espetáculo repugnante no banheiro coletivo?

No início da noite o homem já está seguro de si novamente, a certeza de que nenhuma palavra sobre o ocorrido será dita alivia a tensão em seus ombros gorduchos e cansados.

Hora de ir para casa. O homem se levanta, veste o paletó amassado, guarda seus pertences na maleta que carrega a tiracolo, confere nos bolsos: celular, carteira e cartão da empresa, destes, não encontra apenas o último. O cartão da empresa possui diversos dados como nome e foto, é sua identificação de funcionário, ele permite sua entrada e saída do prédio. Se lembra de estar com ele no inicio da tarde quando … (um calafrio gelado sobe por sua espinha) passou mal e precisou ir ao banheiro.

Corre ao toalete à procura mas não encontra nada. Ao sair de lá olha em direção à sala com paredes de vidro em que o diretor trabalha e lá está ele, parado à porta com olhar sarcástico e algo em mãos. Em agonia, o homem reconhece o pequenino objeto em suas mãos, é o cartão da empresa perdido.

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Médica veterinária, metida a escritora e gestora de projetos (que!?). Roqueirinha de estilo e conceito de moda peculiares. Extremamente enfática e exagerada, tem a imaginação descontrolada e vive numa realidade paralela. Ama gatos, contos de fadas e ficções and likes to mix up words of 2 different languages at the same phrase! No twitter @ypioka71 / Facebook / E-mail marypuck@yahoo.com.br

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About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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