Como enfrentar uma dor com honestidade

Você já deve ter sentido saudade de alguém, mas ao invés de reagir com tristeza e medo sentiu um aperto no peito e acabou se mostrando cheio de raiva e desprezo pela outra pessoa mesmo sentindo vontade de abraçar.

Por que fingir que ele não está ali?

Eu estava vendo bem tardiamente um clássico do cinema chamado Kramer versus Kramer que trata de uma disputa judicial entre um pai e uma mãe (que um certo dia foi embora de casa sem muitas explicações) pela guarda do seu pequeno e lindo filho.

Nesse filme podemos ver vários momentos em que os personagens sentem uma saudade amarga de quem nada pode fazer para aliviar, melhorar ou amenizar a distância. Num mesmo ato de desespero o marido perde sua esposa e o filho perde sua mãe.

Na cena abaixo o marido tenta se reabilitar prontamente substituindo o papel da mãe em preparar o café para  filho. A inabilidade evidente daquele pai logo se converte num ataque de fúria, não era raiva que ele sentia de verdade, mas tristeza por ter perdido sua esposa subitamente misturada com fracasso por não ter sido um marido presente e medo pelo filho e as possíveis sequelas que ele teria na vida. Será que poderia ser um bom pai?

Notem quantas emoções estavam embutidas ali?

Numa outra cena do filme o pai e o menino discutem por conta da comida e o pequeno corre para o quarto e começa a chorar e fazer birra dizendo que não gosta do pai. Logo ele cede e começa a falar que tem saudade da mãe, o pai se compadece e o menino dorme. À noite o menino chama o pai no quarto e diz que o ama. Era de amor que se tratava ali, não raiva.

Depois que eles passam um ano se adaptando às realidades difíceis e se tornam companheiros a mãe retorna e ganha a guarda do menino. Agora mais uma vez precisam se despedir. Nova dor.

Penso nas pessoas que se mostram fechadas, amargas, ressentidas e raivosas. Sinto compaixão, sei que em quase toda raiva existe um amor machucado, uma pureza rompida e uma saudade azedada. A dureza costuma ser uma masmorra defensiva da fragilidade.

Estar com uma ferida exposta a céu aberto é muito difícil, criamos cascas, inventamos jeito disfarçados e infantis de remendar um desespero.

Exemplo 1

Vejo algumas brigas de casal totalmente despropositadas. Ela está sentindo saudade dele, de um cafuné, um chamego ou simplesmente um sorriso. Ele está com medo, pressionado pelo trabalho, se sentindo um lixo, com grana apertada e não consegue se comunicar, fica explosivo e frio. Impenetrável. Ela se ressente, ataca, briga, cobra, fica enciumada, humilha como formas de chamar a atenção. Ambos estão invioláveis.

Seria mais honesto (precisa coragem e humildade) ela dizer, “realmente tenho medo por nós dois, sinto você distante, isolado, estou aberta para te apoiar no que precisar, talvez exista algum problema que te faça envergonhar e que não me conta, mas você não está sozinho, estou aqui”. E simplesmente abraçar e fazer carinho, sem esperar resposta, diálogos intermináveis. Curar pelo toque, sem o peso das palavras.

 

Exemplo 2

Ele está sentindo falta de ver sua mulher com brilho nos olhos. Já faz um tempo que a surpreende suspirando ao ver um filme romântico ou se queixando de que a vida está difícil. Ele não consegue decodificar os sinais, mas sabe de uma coisa, ela não tem procurado sexo. Ele fica inquieto a cada vez que surge um impasse sexual. Hora do banho, antes de dormir, numa cena picante de novela e ambos olham para os lados meio tristes e descompassados de suas vontades.

O anseio de que alguém surja corajosamente e rompa aquela barreira é grande. Mas ambos ficam amargurados e temerosos se o amor e o tesão ainda sobrevivem.

Seria mais honesto simplesmente se achegar no ouvido do outro e sussurar num quase abraço “tenho visto a coisa mais linda do mundo passar por mim, agora quero sequestrar ela nos meus braços”

 

Exemplo 3

A matriarca morreu e todos estão perdidos. O marido está desolado, os filhos apesar de adultos estão confusos. Uma tensão estranha surge na hora de resolver a burocracia mortuária. Partilha de bens e os irmãos se olham com hostilidade reavivando a rivalidade adormecida. Entram em contendas jurídicas para ver quem vai ficar com o que. Eles entram numa luta interminável sobre justiça e igualdade quando na realidade querem se eximir do medo de seguir em frente, cada um com sua vida.

Seria mais honesto se admitissem como a ausência daquela mulher tão valiosa marcará o resto de seus dias, assumir como se sentiam disputando o amor dela em cada conquista da vida e como agora, independente de quem herdará mais privilégios a vida seguirá de um jeito diferente. Se alguém fosse mais resistente, assumir que o outro vai levar vantagem financeira e tocar a vida em frente e construindo tudo do zero.

 

Adoramos brigar pelo copo fora de lugar quando existe um elefante branco esguichando água no meio da sala.

Num mundo onde é bem visto ser forte, otimista, bem-sucedido e orgulhoso de “matar um leão por dia” a maioria de nós subestima o poder que um toque, simples e despretensioso, tem para curar silenciosamente uma dor oculta.

Mas preferimos agir como guerreiros que resolvem tudo no grito só para não fraquejar, arriar e jogar a toalha.

Sim, nós sofremos, como adultos ou como crianças mimadas, e tudo bem…

______________

Vai gostar de ler também

Dificuldade em dar e receber carinho

Você não sabe o que eu sofri

Teu passado te condena, será

Dificuldade em dar e receber carinho

O amor deixa as pessoas mais bonitas

O que você quer dizer com EU TE AMO

Você tem medo de amar?

Tomei um pé na bunda

Todo amor é platônico

Amor maduro

Avareza emocional

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

Related posts