Era uma vez e não era uma vez

* Novo texto de Juliana Baron Pinheiro

 

Não sei se foi a minha atual vivência no mundo “mágico” dos casamentos, por causa do planejamento do meu, ou o novo contato com as famosas histórias das princesas e seus finais felizes, por conta de eu ter um filho pequeno. Só sei que o assunto “encontrar um príncipe encantado” andou ocupando parte dos meus pensamentos nos últimos tempos.

Na minha real life, inverti um pouco a “ordem natural das coisas”, tão comum à vida de um casal. Primeiro engravidamos, depois fomos morar juntos, para então, após quase três anos de convivência, casarmos oficialmente, bem do jeito como “manda” a tradição. E apesar de durante muito tempo ter me questionado sobre essa minha fuga dos padrões, hoje enxergados por mim como caretas e um tanto ultrapassados, descobri que aquele famoso jargão matemático possui uma imensa veracidade e aplicação quando se trata de relacionamentos. Porque realmente, a ordem dos fatores NÃO altera o resultado.

Assim como grande parte das meninas, cresci escutando as típicas histórias de princesas, que apesar das adversidades existentes em suas vidas, finalmente encontravam o seu príncipe e viviam felizes para sempre. Mas será? Será que essa ideia de ser feliz para sempre pode ser ensinada à nós como algo palpável, verdadeiro e passível de acontecer? Porque quando somos crianças, absorvemos, sem querer, diversos valores externos, sejam dos nossos pais ou das informações que recebemos, e os adquirimos como se fossem nossos. Só que o tempo passa e se não percebemos por nós mesmos, que grande parte do que consideramos “o correto a ser feito”, na verdade pode não o ser, a vida, com toda a sua carga de realidade e  muitas vezes, sua falta de sutileza, pode nos derrubar e nos forçar a enfrentar as coisas exatamente como elas são, de verdade. Aquela nua e crua.

Semanalmente, participo de um grupo de terapia de mulheres, aonde estudamos o livro “Mulheres que correm com os lobos”. E foi no nosso primeiro conto trabalhado, “Vasalisa, a sabida”, que eu conheci o termo “Era uma vez e não era uma vez”. Porque todas as histórias que eu mencionei acima, sobre a vida utópica dos contos de fada, começam exatamente dessa forma, “Era uma vez…”. E esse paradoxo, entre “Era uma vez e não era uma vez”, trazido por Clarissa Pinkola Estes em seu livro, serve justamente para nos lembrarmos de que nem tudo o que vemos ou ouvimos, aquilo que parece ser, é na realidade. Portanto, era uma vez, mas pode não ter sido uma vez. Pode ter acontecido da forma como nos foi contado, ou não (e provavelmente não). E quando eu falo de percebermos ao longo da nossa vida, o que carregamos como crenças, que geralmente nem se encaixam nas nossas vidas mundanas, aplica-se à esse exemplo paradoxal. Porque precisamos buscar perceber e averiguar o que, daquilo que crescemos acreditando desde crianças (e aqui estou direcionando aos relacionamos que buscamos ter) seja algo possível de se concretizar na nossa realidade.

Não quero parecer uma descrente do amor ou alguém que esteja querendo desmistificar toda a magia que se cria em torno dessas histórias. Mas percebo que elas, cada vez mais, tornam-nos mulheres menos preparadas para a vida, da forma como ela verdadeiramente se apresenta à nós. Não podemos acreditar que aquelas lindas princesas, que por vezes eram destratadas pela sua beleza esplêndida ou pela sua condição financeira, sejam exemplos de uma espécie de heroínas ou modelos a serem seguidos.

Não deveríamos deixar que as mulheres de amanhã, ainda cresçam acreditando que tudo de ruim que acontece nas suas vidas, é culpa de uma madrasta má ou que a submissão e a eterna (e muitas vezes irritante) bondade são a chave para se encontrar um príncipe encantado. Não podemos acreditar que são os príncipes que nos escolhem, seja pela nossa beleza que supostamente deva estar escondida atrás de trapos ou seja pela nossa (falsa) humildade, que na verdade é uma total falta de atitude, uma ausência de tomar as rédeas da sua própria vida e fazer dela o que se quer e não deixar que os outros nos digam quem nós somos. E muito menos, deveríamos crer que só seremos felizes, quando um belo rapaz, surgir montado em seu cavalo branco, oferecendo-nos uma bela vida, dentro do seu belo palácio.

Sim, eu acredito no amor. Mas acredito naquele amor que se conceitua nos dias de hoje. Acredito que duas pessoas podem viver uma linda história de amor, desde que ambas estejam conscientes de que são o que são, de que não existe uma bruxa má que possa atrapalhar todos os seus planos, de que eles se escolheram pelas suas forças ou fraquezas internas, advindas das suas próprias escolhas e do que estão dispostos a melhorar ou não, e de que não existe essa história de “ser feliz pra sempre”. Porque quando se trata de relacionamentos a dois, no cotidiano, que muitas vezes pode ser maçante e exaustivo, também haverá os momentos ruins. Mas que são justamente esses, quando transpostos juntos, que tornam uma relação sólida, verdadeira e possivelmente duradoura. Daquelas que nem Walt Disney seria capaz de escrever.

______________

* Juliana Baron Pinheiro: formada em Direito, mulher, esposa e mãe, em eterna busca do seu autoconhecimento. Descobriu aos 26 anos que a vida inteira viveu praticamente num cochilo psíquico. Sempre amou escrever e hoje descobriu que essa é a sua vocação e o que quer fazer pra vida inteira. Dos inúmeros diários e textos escritos na sua antiga máquina de escrever, surgiu o seu blog. Que já mudou de nome, de endereço, de assunto, mas que nunca deixou de transparecer a sua mais pura essência. Das novas descobertas, através das terapias que faz e de um processo engrandecedor de coaching, escolheu começar Psicologia, pra compartilhar com outras pessoas, a maravilha que é, descobrir a si mesmo e o quanto tudo o que buscamos, esta logo aqui dentro de nós mesmos”. Escreve no seu blog “Juliana Baron Pinheiro” , no blog “Delicinhas de Pera” , no blog “As crianças” .