“Meu relacionamento caiu na rotina”

* Por Frederico Mattos

Quando uma pessoa alega que o relacionamento está acabando por conta de uma rotina entediante e previsível questiono seriamente se ela acredita no que está falando. Normalmente esse questionamento parte da ideia enganosa de que a rotina é uma pessoa que se instala e começa a coabitar com o casal.

"Tudo tão chato..."

“Tudo tão chato…”

A rotina nada mais é do que a alienação que alguém se impõe diante de sua vida prática e emocional, ou seja, já não coloca curiosidade, interesse e significado no que faz e se desvincula afetivamente das pessoas ao seu redor.

Sustentar a vivacidade é um desafio extenuante. Pense por um minuto como seria viver de mochila nas costas andando pelo mundo todo, sem paradeiro, sem rotina, sem mapa e sem conhecer a língua local. Cada dia seria o primeiro, cada pessoa seria uma estranha e cada conversa iniciaria do zero. Para quem se acha ter espírito de mochileiro parece ótimo, mas ninguém aguentaria tamanha mutabilidade por tanto tempo. Nessa hora é que surge a vontade de ficar um pouco mais de tempo num lugar e até manter uma conversa mais longa com alguém que atraiu mais os sentidos.

Esse passo crucial de se instalar e gradualmente diminuir a intensidade da atenção é que determina o início de uma rotina. Algo costumeiro que trás consigo a marca do supostamente já conhecido. Olhamos para alguém e deduzimos já conhecer seus gestos, tiques, sotaques e intenções. O mero levantar da sobrancelha já remete um julgamento e o balançar dos ombros implica num desdém. Essa suposta telepatia que criamos nas relações é fruto do cansaço que nos traria ao tentar decodificar cada gesto como se fosse a primeira vez.

Como não viveríamos como turistas de nossas próprias vidas repetimos os caminhos para não ter mais que pensar sobre eles e já poder acrescentar uma dose de complexidade na história. Agora não só passamos pelo caminho, mas falamos com alguém ou pensamos numa coisa importante. E assim vamos sobrepondo algo óbvio em cima de outro óbvio e lentamente anestesiando as emoções diante dos estímulos.

Fazemos assim também com a nossa personalidade ou corporiedade. A primeira vez que falamos mamãe foi digna de aplauso, a milésima vez que mamãe foi chamada já não causou euforia. Seria terrível ser aplaudido uma vida inteira por fazer coisas já banais. Tudo isso se inverteria se depois de um acidente grave seguido de coma prolongado tivéssemos que reaprender a falar, andar e amar.

A rotina, ao mesmo tempo que nos salva do estresse do aprendizado contínuo do novo já conhecido, ao mesmo tempo deixa nossos sentidos mais cascudos e nos tira a sensibilidade de olhar para uma flor do caminho comum com a mesma apreciação da primeira vez.

O casal que se queira evitar a rotina, portanto, precisaria antes de tudo se infringir a si mesmo individualmente essa tarefa de não se deixar anestesiar para a consciência da vida que nunca é a mesma. Depois de sustentar essa relativa reativação diária de si mesmos poderiam aí sim chacoalhar com certa frequência as coisas óbvias não tão óbvias. Quando você já se perceber traduzindo irracionalmente uma intenção secreta do parceiro deixe que o sinal de alerta soe. Tire de si mesmo a autoridade vazia de quem se acha pleno conhecedor do outro ou sócio-proprietário da alma alheia. Faça perguntas óbvias, peça explicações mais detalhadas sobre a rotina da pessoa amada e até do que sentiu diante da aparente milésima vez que fez a “mesma” coisa.

Assim como você não se deixa mais entorpecer por aquilo que o torna humano e indecifrável faça um exercício continuado de questionamento de si mesmo para reavivar a todo momento a faísca misteriosa que envolve a existência de todos nós.

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Avatar fred barba* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor do livro “Como se libertar do ex” [clique aqui para comprar] e “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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