Sexo e religiosidade – tudo a ver!

* Texto escrito por José Chadan

Quando pensamos sobre vida religiosa, quase sempre vinculamos a esta, uma certa recusa da vida sexual. A imagem de pessoas religiosas que logo nos vem à mente, são de padres, freiras ou mesmo monges budistas. Poderíamos mencionar também outros exemplos, menos conhecidos, como os monges vaishnavas e outros tantos segmentos religiosos.

Krishna e as Gopis (as vaqueirinhas, namoradinhas de Krishna). Prince of Wales Museum Mumbai Fonte: Wiipédia

Krishna e as Gopis (as vaqueirinhas, namoradinhas de Krishna). Prince of Wales Museum – Mumbai Fonte: Wiipédia

 

Porém, se investigarmos bem, veremos que a literatura religiosa de TODO o mundo está cheia de elementos sensuais, sexuais e eróticos. É como se os textos sagrados em todo mundo, em cada continente e de cada povo e cultura, exaltasse os prazeres e benefícios de uma vida sexual saudável.

No primeiro livro da Bíblia, o autor (Moisés) relata de que Deus, após criar o homem e a mulher, ordena que eles procriem e povoem a terra. Mais adiante na história sagrada do Velho Testamento, Deus diz a Abraão, que no oitavo dia após o nascimento de uma criança, ela deve ser circuncidada . A circuncisão neste caso simboliza a união de Deus com seu povo. Mas por que Deus escolheu a circuncisão como forma de marcar a aliança com seu povo? Talvez pelo fato de o prepúcio do pênis representar de alguma forma, o ato sexual – como se a criança fosse inserida na comunidade, “oferecendo” a Deus parte de sua genitália.

O Deus judaico-cristão então, toma para si como “oferta”, parte do membro sexual do menino, desta forma, sacralizando e abençoando simbolicamente o sexo. Um dos poemas mais belos registrados pela humanidade, encontra-se nos Cantares de Salomão. Trata-se de um poema onde são descritas carícias sensuais entre dois apaixonados.

Jesus mesmo, nunca maldisse o sexo. Basta ler o Novo Testamento. Ele maldisse  sim, o adultério, a sensualidade que destrói as relações harmônicas entre os humanos, mas nunca o ato sexual em si.

Outras literaturas religiosas também estão repletas de erotismo e bendizem o sexo. Um texto muitíssimo conhecido é o Kama-sutra. As pessoas costumam pensar que se trata de um “manual de safadeza”, mas na verdade, é um texto que ensina como dar e receber prazer segundo os costumes e castas sociais da antiga Índia. Outrossim, a imagem deste artigo, retrata Krishna (Deus hindu) e as gopis (as vaqueirinhas) na floresta. Esta ilustração é baseada num texto que está no Bhagavad-Gita (traduzido para o português, A Sublime Canção). Neste texto, Krishna (Deus), estaria se relacionando sensualmente com suas consortes. O Bhagavad-Gita é um dos textos que compõem o Mahabarata (a “Bíblia” dos indianos)..

Por outro lado, a ojeriza em relação ao sexo e o tema da castidade também estão presentes na história humana e na literatura religiosa de TODO o mundo. A literatura sagrada está cheia de estórias de monges, eremitas e gente que abandonou a vida em sociedade para buscar um contato mais íntimo consigo e com Deus.  Para mencionar homens de Deus, fiquemos com Elias e João Batista.

Ambas as visões, tanto de renuncia como de aceite e prazer do sexo, mostram a composição da natureza humana – como as duas caras de uma mesma moeda. Pois se por um lado, Deus, por meio de toda a literatura religiosa, aprova o sexo e o abençoa, por outro lado, escolhe pouquíssimos homens e mulheres para que abdiquem dele e vivem uma vida de castidade e oração.

Não se trata de colocar o sexo e a castidade como conflitantes entre si, como gladiadores. Trata-se antes, de mostrar como Deus abençoa tanto a sexualidade como a castidade. Contudo, a maior parte de nós, seria chamada a viver uma vida sexual e sadia, ao passo que só uns poucos seriam chamados a viver uma vida casta.

 

Neste caso, a sexualidade serviria para povoar a terra com outros seres humanos, feitos à imagem e semelhança de Deus, tornando assim, a Terra um lugar melhor –  divinizando-A. Ao passo que a castidade serviria para apontar um estágio ideal a que o homem pode alcançar. Não precisando mais servir-se de um outro corpo para obter prazer, mas obtendo prazer indistintamente de tudo e de todos. Note-se que emprego a palavra obter no melhor de seus sentidos.

 

O indivíduo que faz sexo dá e obtém prazer por meio dos sentidos e do corpo, já o místico, dá e obtém prazer com outras atividades, como conversar, ensinar, fazer caridade e orar. O místico avaliza o homem que vive em sociedade e este, avaliza o místico. Um não existiria sem o outro. Um não está correto sem o outro. O místico do alto de seu mosteiro ou de dentro da floresta abençoa o homem em sociedade e o homem em sociedade vê no místico um exemplo e também o abençoa. Não se trata de melhor ou pior, mas de funções diferentes. Não se trata de mais sexo ou sem sexo.

Importa também frisar, que os livros sagrados e o que melhor conhecemos, a Bíblia, nunca tratou o sexo como sendo ruim. Aquela estória da maça foi uma interpretação de Agostinho para o episódio bíblico da criação. Todavia, não há nenhum indicio na narrativa da criação, de que a maça represente o ato sexual. Agostinho que interpretou desta maneira, deixando isso passar de maneira quase inquestionável na história da igreja. Mas insisto, não há NENHUM indício no texto bíblico de que a maça simbolize sexo.

A literatura religiosa sempre abençoou o sexo e cantou louvores à ele. Pois pelo sexo obtemos prazer e o prazer é necessário para se ter uma vida boa. Pelo sexo procriamos, podendo nos alegrar na convivência com os filhos e ensinarmos eles, passando os conhecimentos de uma geração à outra. E, pelo sexo, obtemos cumplicidade e amor com outra pessoa. Veja quantos benefícios no sexo que produz amor entre duas pessoas.

No sexo, o homem se funde na mulher através do amor e na castidade, o místico se une a Deus, através da oração. O homem expressa seu amor pela mulher por meio do sexo (dentre outras coisas, mas não quero fugir à questão) e o místico expressa seu amor a Deus por meio da castidade. Tanto no caso do místico quanto no caso do homem secular, parece que a religião estabelece o sexo ou a falta de sexo, como meios de expressar o amor. Em todo caso, o objetivo é fazer crescer o amor, seja por outra pessoa, seja por Deus.

Portanto, amigo leitor, se modestamente pudesse aconselhá-lo, a você que sente culpas em relação ao tema sexo…, lhe indicaria boas leituras para desanuviar o desconforto que este tema vem lhe causando. Leia Cantares de Salomão, mais conhecido como Cântico dos Cânticos, e veja quão belo é o sexo feito com fogo e com amor.  Leia o Kama-Sutra, de verdade, e veja como ele trata do tema de maneira profunda, social e espiritualmente – como comportamento adequado a cada casta e/ou como fusão espiritual de dois corpos. E, finalmente, o canto do Bhagavad-Gita, (não me lembro qual dos cantos é) que conta as travessuras de Krishna namorando suas vaqueirinhas.

Faça sexo com amor e produza muitas coisas boas em sua vida: cumplicidade, amor, filhos, conhecimentos a transmitir, aprendizado, alegria, generosidade, intimidade, crescimento pessoal e espiritual e porque não, prazer – prazer por  toda a consequência boa que nasce com uma prática sexual sadia e de amor.

__________

nuvem (1)*José Chadan possui bacharelado e licenciatura em filosofia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2004) e licenciatura plena em História pelo Centro Universitário Assunção (2006). Lecionou no ensino público de São Paulo durante quatro anos e é também autor do livro de poesias intitulado Barca Melancólica (Fonte Editorial). Apresentou comunicações em conferências realizadas pela SOBRESKI (Sociedade Brasileira de Estudos Kierkegaardianos), deu palestras para alunos de universidades e institutos. Atualmente é mestrando em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Seus principais trabalhos estão publicados em blogs e em sua pasta compartilhada na web. http://www.pistosdarazao.blogspot.com.br