E você? Se leva ou se acompanha?

* Por Eduardo Benesi

Vivemos repetindo que não, que não há no mundo uma força que nos domine através de imposições. Somos seres autônomos e repetimos esse discurso conveniente para que não percebam o quanto somos dependentes de uma mecânica coletiva, muitas vezes opressora.

Citarei alguns fenômenos dos mais variados, desde os triviais, até os midiáticos, incluindo tragédias sociais. O primeiro pequeno exemplo diz respeito a tossir em um ambiente fechado: geralmente em salas de aula ou palestras, repare que quando tossimos é comum uma segunda pessoa e depois uma terceira repetirem o ato. Tossir é algo fisiológico, e o barulho da tosse é supostamente incomodo. Quando existe um comando de voz vigente dominando um determinado espaço, é de praxe a não interrupção. Repare que por mais involuntário que seja o ato de tossir, ficamos intimidados em fazer barulho, e quando alguém não consegue blindar a tosse é comum à ocorrência de uma repetição sequencial culminada pela quebra de silêncio iniciado pela atitude pioneira.

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O segundo exemplo diz respeito às regras de trânsito. Fazer o teste da travessia enquanto estamos esperando a vez do pedestre ir de uma calçada a outra. Repare que estão todos parados, mas se alguém com pressa quebra o padrão da espera e resolve atravessar, as outras pessoas involuntariamente repetem a infração, já que no fundo também estavam apressadas e respeitavam mecanicamente uma lei de trânsito. Essa indução é tão possível que pode inclusive causar um atropelamento. Isso também vale para os veículos: experimente passar um semáforo vermelho em uma situação de trânsito ou em uma rua aparentemente perigosa de madrugada. Provavelmente outros motoristas vão copiar o seu comportamento.

Outra situação interessante é quando discutimos com alguém e essa pessoa emite opiniões com aditivos plurais do tipo “está todo mundo falando”, “além de mim todos acham”, “não adianta discordar porque a maioria está do meu lado”. Acredito que quando uma pessoa sai do singular em um embate, ela geralmente não está segura do que diz, precisa de um complemento que envolva um coletivo para validar sua afirmação.

O episódio na faculdade Uniban envolvendo Geyse Arruda em 2009 também mostra como uma quebra de padrão, alavanca fenômenos até então enrustidos pelo politicamente correto. Uma multidão instaura uma “santa inquisição” em pleno ambiente universitário e expulsa a estudante alegando que a mesma possui comportamentos vulgares e está usando um vestido ofensivamente curto. Além de mostrar o quanto estamos presos aos valores de uma sociedade machista e patriarcal, esse tipo de situação também traz pra esfera consciente a vontade coletiva de extrapolar preconceitos – ansiosos por um momento covarde onde uma maioria  gere um escudo anti-repressor que “justifica” a ocorrência.

Num outro extremo, temos os fenômenos que envolvem tragédias sociais, como o incêndio na Boate Kiss na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul: diversas pessoas naquela noite provavelmente morreram porque num momento de desespero se entregaram a decisão de uma maioria que partiu em uma direção em que pensavam ser a saída, mas na verdade era um banheiro. Esmagamentos, tumulto em momentos de incêndio, e outras situações geralmente partem de um caos desordenado, sem acordo, sem liderança. Segundo o psicólogo Gustave Le Bon os comportamentos em massa se diferenciam entre os conceitos de grupo (os que possuem organização interna) e os de multidão (fenômeno que se ordena por uma ordem de comportamento do grupo). Em “A Psicologia das Massas” Gustave diz que em situações de multidão acontece uma espécie de esfacelamento das nossas vontades individuais e sofremos então uma regressão aos nossos instintos mais primitivos. Perdemos o valor cerebral de nossas ações e entramos num estado medular, tudo acontece em forma de sugestão coletiva, por contágio.

É importante lembrar que maiorias erram: as eleições no Brasil são um ótimo exemplo, uma maioria elege corruptos e geralmente se esquiva, reclama posteriormente que brasileiro não sabe votar. Em estádios vemos também uma maioria ofendendo com termos racistas jogadores que desagradaram. O nazismo, um fenômeno que através de uma propaganda absolutamente eficaz atingiu uma massa, criou uma ordem opressora e monstruosa que resultou em milhões de mortes, mortes não, assassinatos, um cruel genocídio. A maioria nem sempre é sinônimo de uma verdade. Na geração do ‘follow me” é preciso ter cuidado em entregar os seus desejos a um coletivo maior, aos cardápios normativos que parecem nos proteger, mas que no fundo nos algemam pro real das coisas. “É preciso estar atento e forte” já dizia Gal.

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benesi* EDUARDO BENESI é Pedagogo, consultor cultural, formou-se também no teatro para atuar escrevendo. É um hispster inconfidente que carrega bandejas com cebolas gigantes para viajar o mundo, e o seu rodizio é de terça-feira. Pede tudo sabor queijo, da abraço demorado e tem um site em que coleciona pessoas e instantes: o www.favoritei.com.br

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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