Fluir para não explodir

* Por Juliana Baron

Durante uma sessão de terapia em grupo, adorei a comparação utilizada para a forma como reprimimos algumas das nossas angústias, das nossas raivas, até o ponto em que explodimos. Uma panela de pressão! Sim, em locais sombrios da nossa psique, vamos armazenando e reprimindo todas as nossas insatisfações, os nossos desejos, a nossa criatividade não utilizada, até que chega um momento em que o voraz desejo da alma destrói as trancas do seu comportamento reprimido e bum! Está feito o estrago. Muitas vezes, causamos até espanto e não entendemos de onde veio tanta pressão.

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Criticamos, esbravejamos, geralmente, usando aquela velha expressão irritante e generalizadora: “Você sempre faz isso”. Quem nunca? Quem nunca suportou tantos desaforos, (auto) cobranças exacerbadas e depois, simplesmente, chutou o balde? Mas por que isso acontece? Segundo Clarissa Pinkola Estés, analista junguiana e autora do meu livro de cabeceira desde sempre e para sempre, “Mulheres que correm com os lobos”, a vida sombria ocorre quando escritoras, pintoras, bailarinas, mães, cientistas, param de escrever, de pintar, de dançar, de cuidar dos filhos, de pesquisar. Geralmente, porque aquilo a que dedicaram tanto tempo não saiu como esperavam, não obteve o reconhecimento merecido, ou porque a sociedade ou a cultura proibiu, vetou.

Então, assim como ela aconselha, é preciso abrir aos poucos a porta desse reino das sombras para permitir que os elementos saiam. Deixar fluir. Aos poucos, como fazemos com uma panela de pressão. É preciso que nos relacionemos com esses elementos e não, simplesmente, os eliminemos correndo ou praticando artes marciais. Penso que não devemos rejeitar e subestimar a raiva ou qualquer sentimento ruim. Sim, exercícios ajudam, por exemplo. São uma forma de achar um uso para eles, mas é preciso ir um pouco além e investigar as causas desses descontentamentos. Caso contrário, o estrago será muito maior que uma cozinha suja.

Decidi trazer um exemplo do livro da Clarissa, que ao mesmo tempo em que choca, ilustra bem o que pode acontecer quando reprimimos por muito tempo os nossos desejos. Uma pessoa com quem ela trabalhou, contou-lhe a história da sua avó, que tinha como imagem da felicidade, tomar o trem até Chicago usando um belo chapéu e sair caminhando pela Michigan Avenue, olhando todas as vitrines e se sentindo elegante. Porém, por um motivo ou outro, ela acabou se casando com um homem do campo e eles foram morar no meio da região tritícola e a mulher começou a definhar na elegante casa da fazenda que era pequena, exatamente do tamanho certo, com todos os filhos certos e o marido certo. Ela já não tinha mais tempo para a vida “frívola” que havia levado no passado. “Filhos demais”. “Serviços domésticos demais”. Um dia, anos mais tarde, depois de lavar o piso da cozinha e da sala de estar com as próprias mãos, ela vestiu sua melhor blusa de seda, abotoou sua saia longa e colocou seu chapelão na cabeça. Empurrou o cano da espingarda do marido contra o céu da boca e puxou o gatilho.

Assusta, não? Mas pense por onde anda escorrendo a sua criatividade? Quantas vontades suas, você vem abandonando por conta dos “demais”? Trabalho demais, compromissos demais, cansaço demais?

E vida, de menos?

 

Baron* Juliana Baron Pinheiro: casada, mãe, mulher, filha, irmã, amiga, formada em Direito, aspirante à escritora, blogueira e finalmente, estudante de Psicologia. Descobriu no ano passado, com psicólogos e um processo revelador de coaching, que viveu sua vida inteira num cochilo psíquico. Iniciou uma graduação para compartilhar com os outros a maravilha da autodescoberta e que acabamos buscando aquilo que já somos. Lançou seu blog “Psicologando – Vamos refletir?” (www.blogpsicologando.com), com textos que retratam comportamentos e sua caminhada no curso de Psicologia.