O sofrimento nos ensina…

* Por Frederico Mattos, psicólogo

Na maior parte das vezes recebo em meu consultório pessoas que estão em algum estado superficial ou profundo de sofrimento. As primeiras sessões em particular são carregadas de colorido e notei algo curioso nesses relatos, alem de intensos e dolorosos também são carregados de detalhamento narrativo, sinto ao ouvir que vivi quase três vidas em cinquenta minutos.

O sofrimento, com tudo o que traz de desagradável e talvez exatamente por isso, parece nos fazer desacelerar. Há um detalhe que pouco nos damos conta, a alienação emocional que alimentamos em forma de pressa e hiperestimulação sobrecarrega nossa percepção. O descompasso causado por uma ameaça ou perda emocional desacelara bruscamente o ritmo maluco que nos impomos.

Quem já teve uma pessoa querida que morreu sabe da sensação de congelamento anestesiante do tempo, soa como aqueles pesadelos de filme em que tudo é lentificado.

Essa mudança da perspectiva de quem andava pilotando uma ferrari e começa a andar a pé também permite certa poesia. As paisagens que ignorávamos começam a surgir magicamente, e o que escondíamos de nós mesmos explode num mar de sensações desconfortáveis de um momento para o outro.

No momento da dor cada pessoa é colocada diante da própria vida quadro a quadro para contemplar seus pontos-cegos. As relações negligenciadas, os valores pessoais despedaçados, os momentos passados em apatia ganham um colorido novo.

Quando percebo alguém inadvertidamente querendo que o sofrimento passe naquela afobação de quem se desacostumou a experimentar pequenos desapontamentos cotidianos peço sempre que pare. São nesses momentos raros de desprazer que os olhos ficam mais límpidos. Ali não fingimos não ver, pois a solução do problema passa por encarar a realidade.

Em última instância, a solução para o sofrimento não é que ele passe, mas que revele o galho seco no qual estamos pendurados e que nos machucará muito mais gravemente se seguirmos apegados.

Quando a relação acaba estamos querendo combater a saudade indigesta quando deveríamos olhar para a fonte de nosso autocentramento excessivo, da surdez seletiva, da mudez de honestidade e da cegueira da alteridade. O sofrimento escancara nossos condicionamentos, nosso padrões destrutivos, em última instância é uma denúncia escancarada de uma interioridade empobrecida.

Ao contrário do que dizem não é o sofrimento que ensina, ele apenas serve à nossa mesa o que está disfuncional. É o que empreendemos emocionalmente que pode trazer algum aprendizado, mas não aquele intelectualizados e cheio de fórmulas mágicas de mudança. O que reformula de verdade é a possibilidade de desacelerar, de olhar o que é sem projeções, compartilhar da vulnerabilidade que nos conecta.

É quando descemos do palco que alguma transformação pode acontecer, o sofrimento foi só o amigo que nos avisou que a peça que encenávamos acabou.

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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique], Como se libertar do ex [clique aqui] e Mães que amam (demais livros e cursos [aqui]). Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana.

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Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094