“Dar certo na vida” pode ser um inferno

Como a pressão por felicidade e sucesso pode causar infelicidade e fracasso

* Por Frederico Mattos, psicólogo

O amigo que esta graduando (ou pós-graduando) comenta com o outro.

-Tá foda, baita correria, não tenho tempo para nada, só estudando e trabalhando e tentando equilibrar os pratos. Sabe como é que é, matando um leão por dia, essa porra toda tem que dar certo.

Que asfixia, se isso parece ao término de qualquer graduação ou progresso marcante seria lindo, mas não para. Depois é o emprego, o relacionamento amoroso, a barriga, a casa, a dívida da casa, nunca dá certo.

Não importa o quanto a pessoa se descabele a sensação de dívida consigo mesmo fica gritando nervosamente antes de dormir, então a pessoa não dorme, rola na cama pensando em como seria finalmente, mas finalmente mesmo chegar do outro lado do rio que ela inventou para si mesma.

Nada contra metas, desafio e crescimento, mas tudo contra insatisfação crônica. E é exatamente esse jeito torto de pisar na estrada do progresso que causa as dores emocionais que carregamos sem o saber.

De repente estoura uma dor pelo corpo, uma alergia por estresse, uma gastrite “fora de hora”, a necessidade de tirar férias com muita frequência. A pessoa não percebe que está num ciclo de esgotamento, vai ao médico e descobre que tem depressão, síndrome do pânico, burnout, transtorno disfóico pré-menstrual e por aí vai.

Parece que as mulheres são ainda mais cientes de que algo não vai bem, pois elas pelo menos buscam ajuda e descobrem que tem algo desencaixado. Os homens vão rolando de bar em bar, de merda em merda meio inconscientes da ladeira abaixo, não gastam dinheiro para se tratar se é mais legal comprar um carro novo.

A pressão por chegar no topo é tipo paradoxal de busca que nunca descansa e se legitima. Cada passo dado desfia uma ponta solta que merece virar desafio.

A quantidade brutal de trabalho de coaching é sintomático disso, é não há nada de mal com o coaching, mas com a sensação de ser um fracasso ambulante que movimenta esse mercado.

Para criar a demanda muitos pisam ainda mais na dor do seu potencial cliente para provar por todos os meios que se a pessoa ainda não enriqueceu, tem a agenda livre para viajar ela está cometendo um pecado gravíssimo.

O efeito colateral de tanto busca de felicidade e sucesso começa a ser uma falta de apreciação de pequenos acontecimentos da vida. De você não está na ilha de Bora Bora está perdendo tempo. A ilha é linda, mas você também.

Se o tema é aparência o caldo engrossa ainda mais, pois se a cada três fotos do seu Instagram você é bombardeado por uma barriga tanquinho (e alimentação e malhação correspondente) o seu imaginário será povoado de imagens que fritarão que su corpo é inadequado. A popularidade de musas fitness, sem nenhum demérito ao esforço delas, é quando as pessoas usam a suposta perfeição delas para reafirmar a própria falência estética. Para se sentirem menos sozinhas marcam uma amiga e dizem “olha amiga, quero um corpo desse!!”. A amiga não sabe se ri ou chora, pois está infeliz também.

A infelicidade passa a ser quase tudo, pois não existe nenhuma área da vida que a pessoa zerou o jogo, e isso é o suficiente para ser uma pendência na check-list da felicidade que nunca chega.

Saúde, beleza, bem-estar, sucesso são sempre bem-vindos, mas o jeito que isso tem sido buscado é preocupante. Você pode estar bem sem atingir todas as metas, elas só são aspiracionais, como um movimento de incentivo e não um túmulo de alegria.

Gosto de escrever meu currículo pessoal a cada fim de ano com coisas banais, nada mirabolante, só para perceber que foi entre uma necessidade de ser feliz e outra que eu realmente fui feliz, apesar de ter ficado tentado a me achar insuficiente o tempo todo.

Você já é suficiente na sua vida, olhe de verdade para trás, lembre da criança que foi, não importa se ainda não chegou no pódio, você sempre esteve com a medalha no peito. Isso não é um convite ao conformismo, mas à gratidão, coisa rara em tempos de insatisfação crônica coletiva.

A vida está fadada a dar errado, porque essa é uma categorização que não se aplica em matéria humana, tudo que está numa biografia qualquer deu certo, porque foi a vida possível. Acolha isso no seu coração antes de tentar “dar certo” na vida…

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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique], Como se libertar do ex [clique aqui] e Mães que amam (demais livros e cursos [aqui]). Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana.

Treinamentos online de “Como “salvar” seu relacionamento” e “Psicologia para não Psicólogos”

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Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094