Cartas sobre a vida #8 – Minha experiência como lésbica
Pessoal, gostaria de compartilhar um relato que recebi e que acho interessante para outras pessoas. Não é um pedido de ajuda, mas uma tentativa de apresentar um universo que muitos não conhecem. De uma mulher que ama mulheres. Tenham mente aberta, apreciem e leiam com carinho, pois foi com muito carinho que essa moça me enviou o seu relato.
Bem, o que tenho a lhe dizer é que há muitos esteriótipos envolvendo os gays. Há muito a se levar em conta: terríveis crimes cometidos contra os gays, pessoas que perdem seus empregos (no meu ambiente de trabalho optei por resguardar toda minha vida pessoal e acho assim melhor, não se restringe só a esse ponto) e poderia ir e ir…
Bem, sabe que muitos gays são extremamente preconceituosos? Sim, sim! Olham para os heteros com preguiça, alguns nem se relacionam com eles, fazem das Paradas Gays que deveriam ser extremamente políticas, um carnaval a céu aberto. Penso que o Brasil precisa crescer muito em relação a isso. A Parada Gay de Buenos Aires é muito, muito menor que a de SP mas extremamente política. Lá, estão mais preocupados com seus direitos, lá o casamento gay é permitido por lei, aqui se preocupam em beijar na boca e transar no meio da praia, da avenida, enfim.. É difícil. Felizmente, vejo isso mudando. Mas não é raro ouvir “ah, mas esse casal de hetero aqui? Eles podem ir em qualquer lugar”. Eu não frequento o chamado “meio gay” mas quando vou, acho um barato ver isso. Há uma características, também, muito peculiar que é a grande promiscuidade. Não há uma mulher que não tenha ficado com a ex da outra e com os homens, então, isso se agrava muito.
Costumo dizer que a presença do dark room em boates gays é o maior indicativo disso. Um lugar para as pessoas transarem em plena boate. E alguns caras ficam lá, de calça arriada, esperando. Te juro. Bom, preguiça enorme que tenho disso tudo e a convicção que não é aí que conhecerei minhas parcerias (de amor e da vida). Tive várias namoradas e nenhuma delas conheci assim.
Bem, feita essa ressalva, devo dizer que há coisas inimagináveis para os heteros tais como não poder beijar sua namorada em público. Isso é mais mito que um sentimento dos gays. Na verdade, nos acostumamos (eu, por exemplo, não escondo mas não faço já que, invariavelmente viramos o centro das atenções e eu detesto o ser). Há uma gíria muito comum entre os gays que é “vamos fechar tudo” que quer dizer “vamos virar o centro das atenções”. Há quem se una, se fale, se enuncie apenas pelo siginificante “gay”. Bem, não é só isso que sou da vida então nem me lembro disso a maior parte do tempo. Sou tantas outras coisas, tantas e tantas..que não vejo porquê isso seria o único motivo para me unir a alguém ou para escolher onde ir. Quanto a questão do costume, bem, acredite, é um saco, às vezes. Mas outras coisas ganham mais valor tal como mãos dadas debaixo da mesa, aquele beijo roubado, essas coisas…
Bem, eu tive sorte, muita sorte. Quando desconfiei que jogava nesse time (e eu vou contra o esteriótipo físico dele, aliás), ao mesmo tempo, amigos muito próximos também o fizeram então eu tinha pessoas de confiança para ir comigo nos lugares o que não é comum. É muito corriqueiro ver pessoas saindo sozinhas. Bem, todas minhas amigas (grande maioria hetero) souberam desde o início e aceitaram maravilhosamente bem desde o início (e talvez por isso tenha as escolhido como amigas antes de mais nada) e isso é um detalhe que não me define para elas nem para mim. Confesso ter certos problemas em fazer novas amigas heteros (bem, leva um tempo muito bom para considerar alguém um amigo) mas não gosto que desconfiem do respeito que vou ter por elas. Três já tiveram ressalvas comigo e eu tive ainda mais com elas, me distanciei completamente. Não me interessa me relacionar assim. Minhas amigas são amigas e não as olho com olhar de caçadora (rs) mesmo porquê não olho nenhuma mulher assim.
Tive sorte, também, com minha família que aceitou de maneira formidável. Os que não aceitaram, respeitaram muito bem. Meu pai certa vez me disse “você não pode deixar ninguém lhe dizer como você vai ser feliz”. E olha que ele tem uma profissão tradicional, não era de se esperar.
Tive sorte, também, em me aceitar muito bem logo de início. Achar que era isso que me fazia feliz e eu sempre quis foi ser feliz então sem muitas neuras. Cada dia que passa e que amadureço, acho que mais firmeza que a grande maioria dos preconceitos é problema de quem os têm. E conheço cada vez mais, mais pessoas assim. Bem sucedidas, felizes, alegres, pais, mães, um povo bonito e feliz. Alegre e divertido. Então fico implicada com “quem optaria por isso?”. Olha, isso é uma frase que reforça o preconceito mais que o combate, lhe afirmo. Bem, lhe digo, se fosse me dada a opção (e já lhe disse que me simpatizo com a identificação subjetiva mais do que com a genética), eu escolheria o mesmo.O discurso de que “nenhuma mãe gosta porque não quer ver o filho sofrer” é calcada em uma certeza de que os gays estão fadados ao sofrimento o que não é verdade. Bem, o sofrimento é inevitável para cada filho, por motivos diversos [grifo meu] e esse argumento é um tanto vazio para mim. Repito: há pessoas expulsas de casa, do trabalho e da vida. Por isso a importância em leis que nos protejam, em fazer valer nossos direitos (e não bacanais), em nos aceitarmos e ter a certeza que estamos fadados ao sofrimento não ajuda em nada.
Claro que a minha história foi de sorte. A de muitos amigos também. Claro que há problemas gravíssimos. Mas vejo esse quadro mudando e, veja, há 10 anos me descobri lésbica e em 10 anos vi mudanças significativas. Estou otimista. Mas eu acho que “eu sou gay, vou sofrer” precisa mudar, Meu Deus. Não pode mais isso. Não pode dizer “quem optaria por isso?” e deixar os gays como coitadinhos que não são responsáveis nem pelo desejo deles. Entende? Essa questão está longe de ser simples..e, talvez, a maior sorte de todas as minhas tenha sido a de ser uma pessoa aberta, curiosa, feliz e muito tranquila. Para mim, gosto tanto de mulheres que nem me imagino de outro jeito. Então, sim, eu optaria por isso. 🙂 Não, não sofro com isso.
Meus sofrimentos são de outra ordem, comuns a todas as pessoas. Não anda de mãos dadas com minha namorada em todo lugar mas não sofro preconceito racial ou social..e aí? Sofro menos ou mais..Essa comparação besta é só pra dizer que o sofrimento é inerente ao ser e acredito (mesmo) que um gay pode se aceitar, se assumir, ser feliz e chegar a um nível em que realmente acha que o preconceito é problema de quem o têm. Mesmo. Para cada história triste, há inúmeras que são felizes.. Não gosto de reforçar só os problemas ou tudo fica muito amargo. Gosto de dizer da felicidade em ser quem a gente é. E quis dividi-la com você.
Abraços