Carta aberta aos estudantes de Psicologia

* Por Frederico Mattos, Psicólogo clínico e escritor

Queridas pessoas psicologizandas (inventei essa palavra)

Vocês escolheram uma das profissões que terá, cada dia mais, um impacto decisivo para os rumos da humanidade. É presunçoso isso, mas antes de tudo o psicólogo é alguém que pensa a vida. Ser estudante de psicologia, portanto, não diz respeito somente a qual área vai atuar, qual abordagem irá seguir ou quanto irá ganhar, mas sobretudo que mundo você ajudará a reformular e refletir.

Você terá tarefas concretas que exigirão muita disciplina, resiliência e praticidade, mas a parte mais difícil não é essa e sim a tranquilidade frente as questões (e limitações) humanas. Há uma certa maldição bonita no nosso trabalho, não há como realizá-lo sem a nossa verdadeira participação. Você irá aprender técnicas, testes e decorar bastante coisa, mas sua principal ferramenta de trabalho será você mesmo. Não há como ajudar as outras pessoas sem o mínimo de honestidade consigo. E nisso é que falhamos miseravelmente.

Nossa história de vida pessoal e familiar nos marcou à fogo para o nosso ofício. O psicólogo é um pássaro ferido, no entanto, a mesma dor que nos impeliu muitas vezes a querer salvar nossos pais, família, amigos, parceiros amorosos pode ser o problema de nossas carreiras. Nem sempre conseguimos transformar a dor em profissionalismo e eficiência, mas precisamos tentar. Corremos sempre o risco de sermos engolidos por um papel messiânico altamente problemático para nosso trabalho e causador de burnout da compaixão, mas ninguém salva ninguém. A vida se comporta com uma autonomia e à revelia do que pretendemos para ela, é o máximo que podemos lidar.

Queria compartilhar algumas dúvidas que tentei sanar ao longo das minhas próprias aflições profissionais.

– Área de atuação

A Psicologia permite diversificadas áreas de atuação e cada uma delas vai precisar de certas habilidades diferentes e fico muito feliz que exista essa diversidade de personalidades atuando, nem todos precisam ser clínicos e entre os clínicos serem calados. Cada área requer a compreensão do estilo de vida associado com os traços de personalidade.

Há quem odeie ficar num mesmo ambiente por muitas horas, então a clínica pode ser clautrofóbica, tem gente que adora ensinar e se desgastaria num trabalho social, tem gente que tem dificuldade de lidar com o trabalho autônomo e prefere seguir como funcionário. Tudo isso precisa ser pensado antes de atuar, pois nem sempre o que desejamos é o que estamos habilitados emocionalmente a sustentar.

– Abordagem teórica

Bem, essa é uma discussão que pode parecer super útil à principio pois isso definiria muito do percurso do profissional, mas não é bem assim. Do mesmo jeito que a escolha da profissão pode ser precoce, a escolha imediata da abordagem também pode ser. Quando saímos da faculdade temos uma perspectiva sobre as coisas, absorvemos o mundo de um jeito, fomos influenciados por professores, colegas e pela faculdade e nem sempre temos noção real do que está como pressuposto de cada abordagem.

Os próprios psicanalistas, nessa busca interessante de descobrir seus caminhos se diferenciaram do Freud. Melanie Klein teve muitos questionamentos e se diferenciou quase alterando o rumo da clínica dela, postulando um Édipo precoce e colocando ênfase na pulsão de morte no consultório. Depois o Winnicott, discípulo dela mudou um pouco a perspectiva colocando o olhar sobre as relações objetais, enfim, não há linha reta. Na prática adotamos uma teoria e depois vamos descobrindo os descaminhos dela e onde nos encontramos melhor. Na verdade escolher uma abordagem é só um jeito inicial para se sentir confortável numa métrica, adotando um supervisor com visões parecidas e sendo bem treinado, com o tempo as coisas podem mudar, ou não.

– Dinheiro

Já foi o tempo em que a incompatibilidade da Psicologia e o dinheiro era uma verdade, o mundo cresceu e os campos de atuações do psicólogo estão muito além do consultório, tem para todo o gosto. Talvez a ideia de ficar milionário com a Psicologia possa não ser real, não conheço alguém que presta serviços como psicólogo ficar milionário. Pode ficar rico, gerenciar bem o dinheiro, saber fazer bem o network e marketing de uma forma humanizada. Em resumo, depende muito da necessidade de alguém sobre o dinheiro que vai ajudar a entender o quanto o dinheiro ganhado com a Psicologia pode ser o suficiente.

– Vida e trabalho

É super importante entender que a Psicologia não é uma profissão como as outras, o objeto de estudo é o ser humano, e a ferramenta de trabalho do psicólogo é o ser humano, ele mesmo. Logo é uma profissão que ninguém passa incólume, sem faíscas e efeitos colaterais. Não há como se distrair de si mesmo (bem, até dá), pois isso implica em perda de potencial de ajuda.

Sua vida impacta e é impactada pela profissão e sua personalidade precisa criar resiliência para lidar com tantas vidas humanas. Quer dizer que pessoas com alto potencial destrutivo e tóxico de criação de problemas terão muito menos êxito nesse trabalho. Existe gente que é exceção à regra, pode ser por um tempo, não para sempre. Isso quer dizer que ao seguir na Psicologia sua filosofia de vida, gerenciamento do tempo, qualidade de relações pessoais terão um impacto sobre o seu trabalho.

– Estudos complementares: antropologia, religião comparada, filosofia, ciências sociais, economia, ciências políticas

Lembro que alguns colegas de faculdade confessaram que entraram no curso imaginando que leriam pouco, isso pode ser verdade para o lanterninha na corrida, mas para quem gosta da área só ler o básico não ajuda. É super importante mergulhar em outras áreas humanas como as citadas acima, sem elas você corre o risco de ser um alienado como profissional. A Psicologia impacta e é impactada por outras áreas do conhecimento e é preciso ter calma, construir o pensamento ao longo do tempo. É muita coisa, eu sei, e isso será feito como um lego-lego, você monta e desmonta, constrói e desconstrói. Na prática é uma coisa linda mas você está sempre um pouco angustiado e feliz de curiosidade.

Se eu tivesse que falar qual seria a característica que mais definiria o que um psicólogo faz é sabedoria, para olhar o que está por trás sem ser chato, olhar o que vê sem ser cego, olhar o que foi sem achar que é a salvação, olhar para o que virá com serenidade, saber fazer boas escolhas, ter bons critérios e acima de tudo saber usar da compaixão humana com maturidade e sem paternalismo infantilizador.

Eu teria tantas coisas mais a dizer, então me sigam nas redes sociais e vamos tocando as conversas por outros canais.

EXTRA PARA A DISCUSSÃO: vídeo abaixo

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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique], Como se libertar do ex [clique aqui] e Mães que amam (demais livros e cursos [aqui]). Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana.

Treinamentos online de “Como “salvar” seu relacionamento” e “Psicologia para não Psicólogos”

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Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094