Crônicas da vida – O homem que me fez broxar

Por Mariana Martinho

 

Parada na plataforma do metrô a mulher aguarda. Os olhos vazios e fixos num ponto revelam que ela ainda não se acostumou a estar de pé antes das seis horas da manhã. O emprego novo exige muito mais do que o anterior, principalmente por ser do outro lado da cidade, a rotina de baldeações e vagões lotados não a agrada nenhum pouco.

Melancólica, relembra a discussão que teve com o marido na noite passada, e na anterior e na antes desta também. Ultimamente é a única coisa que fazem. Discutir, xingar, brigar e gritar um com o outro infelizmente já virou algo corriqueiro para o casal, seus vizinhos que o digam.

Então algo a faz sair do seu estado catatônico como um solavanco que acorda o dorminhoco dentro do trem. Um perfume conhecido e irresistível lhe diz que a razão pela qual ela suporta a sua maldita vida acabou de chegar. Os poucos trinta minutos do dia em que ela se permite relaxar e imaginar que um dia as coisas podem ser melhores.

Ela encara o homem parado ao seu lado na plataforma com um meio sorriso sonhador, rezando para que ele não note como seus cabelos, escovados desde o domingo, já estão oleosos, afinal já é sexta-feira.

O homem parece não notar que é observado, ou se notou não se importa. Ela admira o rosto moreno que é emoldurado pelo cabelo escuro, os olhos sérios e negros, a boca carnuda, os ombros largos e as mãos fortes. No anular da mão esquerda brilha uma circunferência dourada que revela seu estado civil.

Mais uma vez ela se pega imaginando se o casamento dele seria tão infeliz quanto o dela. A certeza de que mãos tão fortes seriam capazes de tocar intensamente a pele de sua sortuda esposa paira em sua mente. Um calafrio percorre a sua espinha, e o desejo incontrolável de que o casamento dele fosse tão infeliz quanto o seu, que a esposa dele fosse tão irritantemente chata quanto o seu marido, assim poderiam se apoiar mutuamente durante a difícil fase de divórcio que aguardaria a ambos.

O Metrô chega e todos embarcam. Ele se senta no banco cinza, que é reservado para idosos, gestantes, obesos, deficientes e mulheres com crianças de colo, ela senta-se no banco em frente ao dele. Imagina como o trabalho dele deveria ser cansativo, caso contrário ele jamais teria se sentado no banco reservado. Ela assiste enquanto ele abre um jornal e começa a escrever algo nele, será ele tão culto que escreve anotações nas matérias para debater mais tarde com seus amigos intelectuais?

Quando o trem pára na estação seguinte, uma mulher grávida de pelo menos sete meses, a julgar pelo tamanho da barriga e dos membros inchados, entra no vagão. Ao se dar conta da grávida, rapidamente ele encosta a cabeça na parede e finge estar dormindo.

A jovem senhora sentada ao lado dele cede seu lugar para a moça grávida. Percebendo que o risco de perder seu assento passara, ele abre novamente os olhos, deixa o jornal sobre as coxas e continua a escrever. Um pouco relutante ainda para com a cena que acabara de presenciar, ela constata, ao olhar para o jornal, que ele estava desenhando bigodes, óculos e chifres nas pessoas ao lado da Presidente da República na foto da manchete.

Embaraçada por ter admirado este idiota por tantos dias na plataforma do metrô, ela percebe, com amargura, que só existe uma palavra para definir o se passava em sua mente e coração: Broxante!

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Médica veterinária, metida a escritora e gestora de projetos (que!?). Roqueirinha de estilo e conceito de moda peculiares. Extremamente enfática e exagerada, tem a imaginação descontrolada e vive numa realidade paralela. Ama gatos, contos de fadas e ficções and likes to mix up words of 2 different languages at the same phrase! No twitter @ypioka71 / Facebook / E-mail marypuck@yahoo.com.br

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Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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