Múltipla Personalidade

Você realmente acredita que é uma pessoa única com caraterísticas bem definidas, quase constantes e imutáveis, certo?

Errado, estamos bem longe disso.

3 em 1

Temos uma multidão que habita em nós. Meu amigo André tentou fazer uma explicação disso no dia do meu aniversário nesse texto.

Realmente ficou excelente. Hoje em dia quando estou atendendo, conversando ou me relacionando com alguém eu dificilmente olho a pessoa de uma forma estática ou única.

Sempre imagino dois palcos face a face que se relacionam, oras os personagens do meu palco interagem com os personagens do palco do outro e oras entre si. As vezes os personagens do meu próprio palco saem do controle e se degladiam, as vezes fazem motim e brigam com o diretor e o roteirista. A briga da minha peça briga com a briga da peça do outro. Meus pactos criam pactos com os outros.

É uma bagunça, um puxa-empurra danado, um drama interminável. Costuma ser uma tensão entre aquilo que devo, quero, nego, busca, abandono, rasgo, temo, amo, odeio, brinco e babo, tudo ao mesmo tempo sem parada.

Mas você tem problema de múltipla personalidade, Fred?

Não, isso não é patologia, mas uma condição natural e saudável do psiquismo humano. Ele se desdobra em múltiplas dimensões que podemos chamar de subpersonalidades.

Temos muitas influências desde que nascemos, e é natural que cada pessoa que passou em nossa vida deixou uma marca. Cada marca criou um núcleo criativo em nós que com o tempo foi se reafirmando e realimentando com outras experiências e influências. Cada subpersonalidade tem um tema central e dentro disso maneiras próprias de ser, falar, sentir e pensar, ou seja, é quase como uma pessoa dentro de você.

Sim, você é a “casa da mãe Joana”.

Isso quer dizer que você pode não ser falso como pensa e nem tão incoerente, mas apenas uma pessoa múltipla e complexa.

O grande problema é quando você fica fixado numa das subpersonalidades e não consegue mais ter mobilidade entre as outras.

Saúde, nesse caso, é multiplicidade criativa, navegar por muitos lugares sem se aprisionar por um apenas.

Lógico que existem os chefões das gangues internas que costumam ter o controle da embarcação, e é preciso ter cuidado para que não se crie uma confusão desnecessária. Para isso, ter consciência é fundamental.

Posso citar algumas subpersonalidades clássicas.

A criança interior

Costuma ser aquela faceta inocente, ingênua e pura que possuímos. Pode se mostrar machucada e vingativa também.

O velho sábio

É aquele aspecto transcendente e lúcido da personalidade que responde pelos insights de sabedoria na vida cotidiana. Pode se mostrar rabugente e cético quando mal trabalhado.

O louco

É criativo, causa revoluções, mudanças, paixões, rompantes de extrema intensidade, mas pode causar confusão e loucura quando negado.

O bobo da corte

Alegre, leve e doce o bobo costuma ser aquele contra-ponto necessário para seguir na vida, as vezes se torna sabotador e leviano.

O rei

Faceta altiva, soberana e líder por natureza, capaz de tomar decisões, inspirar e dar fluxo na vida. Quando mal trabalhado pode ser um tirano cruel e controlador.

O herói

Capaz de tomar muitas decisões e se aventurar em jornadas cheias de descobertas e embates. Teimosia e precipitação podem ser as marcas desse personagem.

A grande mãe

Capaz de nutrir, acolher e prover vida e amor pode se mostrar vingativa, dominadora, cruel, invejosa e castradora se contrariada.

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Gosto desse texto do Rubem Alves chamado “Pensão”, retrata muito bem o que quis dizer.

Os apaixonados não sabem que cada casa de paredes brancas e janelas azuis é uma pensão.

Pensões freqüentemente se anunciam como “familiares”, lugares de respeito. O dono até pode rejeitar um possível hóspede. Com o corpo não é assim.

Os hóspedes já estão lá, todos com a mesma cara, mas cada um de um jeito: um professor sério, uma criança que brinca, um avô carinhoso, um sedutor de fala mansa, um pecador arrependido, um poeta deprimido, um sargento autoritário, uma criança birrenta, um órfão abandonado, um sabe-tudo que só fala e não escuta, um debochado, um torturado r que sabe onde dói mais, um assassino que só não mata por medo, um ser monstruoso, mistura de bruxa e demônio.

Todos nos seus quartos. Normalmente não aparecem. Esse rol de hóspedes – eles não se encontram todos na pensão. Outros, quando aparecem, é como se o inferno acontecesse. Trancam o dono da pensão num quarto, e estabelecem o horror-terror.

É a gritaria, as ofensas, os palavrões, a ironia cortante, as agressões, a violência. Os demônios têm um conhecimento preciso dos lugares a serem tocados.

A pensão – paredes brancas e janelas azuis – se transforma num lugar infernal. (É nesses momentos que acontecem as tragédias. Crimes. Vem o julgamento. Mas aquele que é julgado, odiado e executado não é o criminoso. É o dono da pensão, pessoa pacífica e de bons sentimentos. O criminoso está dormindo, numa cela, no porão da pensão…)

Passada a orgia infernal, os demônios exauridos e satisfeitos retornam às suas celas, deixando os destroços para serem arrumados pelo dono da pensão. É o momento da tristeza e da vergonha. Como explicar que aquela pensão de paredes brancas e janelas azuis, anunciada como lugar sagrada – a à porta, “Lar, doce lar”; no hall de entrada uma Bíblia aberta! – de repente se transforme num lugar infernal?

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Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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