Carta para uma suicida – dia #6 [solidão]

Sobre a solidão

*Frederico Mattos, psicólogo clínico e escritor

Eu passei uma parte da minha infância me sentindo bem sozinho. As crianças que me cercavam eram mais velhas e amigas da minha irmão, cinco anos mais velha que eu. Restava pouco dessas interações para mim, eu era o irmão mais novo, que causava um pouco de estorvo aos mais velhos.

Durante muito tempo eu olhava para trás com tristeza ao me perceber sozinho. No entanto, essa capacidade de produzir meu entretenimento me ajudou a confiar na minha presença. Estar sozinho não era dolorido se eu pudesse contar comigo.

Criei exércitos, amigos imaginários, escolas, clínicas médicas, grupos de piratas, famílias, enfim, minha imaginação teve na solidão uma aliada. Depois vieram os livros que me deram as mãos e me embalaram por muito tempo.

Quando a interação humana real bateu na minha porta eu estava enferrujado, mas muito capaz de interagir com tranquilidade. A solidão me fez valorizar a presença dos outros. Estar ao lado de alguém para compartilhar impressões eram algo sagrado, quase um privilégio.

Durante muito tempo eu não consegui cuidar bem desse espaço interno, então minha solidão vinha acompanhada de muita auto-critica. Depois percebi que se eu passaria toda minha vida na minha companhia não era justo tratar com rigidez esse convidado que eu era. Para ser um bom anfitrião de mim mesmo resolvi perguntar o que poderia fazer, dentro das possibilidades, o que faria meu convidado ficar mais à vontade. Suco de tangerina era um bom começo, eu me respondi.

Esse passou a ser meu referencial de qualidade de vida, o suco de tangerina. Se alguma coisa que eu pensasse, fizesse ou sentisse fosse algo menos que um suco de tangerina eu me dava um longo abraço e me perdoava.

Minha solidão precisava ser bem nutrida, pois apesar de estar sempre cercado eu jamais ofereceria uma boa companhia aos outros sem cultivar minha própria energia.

Fui pesquisar meu espaço interno, notei que minha mente era muito barulhenta, tagarela, invasiva e dominadora. Bastava uma tentativa de sentar confortavelmente para meditar que uma enxurrada de narrativas fora de contexto surgiam. Comecei a treinar silenciar minha mente, isso fez com que meus momentos comigo se tornassem menos pesados.

A solidão só é um pesadelo para quem cultiva pouco a si mesmo com serenidade. Quem acha que precisa estar sempre interagindo para apreciar a vida fica escravo de relações abusivas e superficiais. Para quem quer uma convivência mais saudável é preciso saber ficar sozinho em paz e entender os próprios limites.

Fugir da solidão, portanto, é a pior maneira de se entregar para os outros…

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28. Sobre merecimento
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30. Sobre recomeço

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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique], Como se libertar do ex [clique aqui para comprar] e Mães que amam demais. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana.

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Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094