Carta para uma suicida – dia #8 [ser filho]

Ser filho

*Por Frederico Mattos

Ser filho é a coisa mais fácil do mundo, nossa tarefa é receber. No entanto exatamente por isso temos um monte de complicadores nessa relação. Receber não significa aceitar tudo, concordar com tudo ou se submeter a tudo.

Quando eu tinha perto dos vinte anos (poucos meses depois do meu pai falecer) me dei conta de algo perturbador. Minha mãe, por conta que questões pessoais, me confessou que ela se sentiu muito feliz quando eu nasci. Ela me confidenciou que pensou: “finalmente, alguém que pode me salvar!”.

Essa revelação veio depois de algumas conversas que tivemos onde eu me sentia sempre num papel de ajudar os outros e isso me privava da liberdade de escolher ajudar versus ser impelido por culpa ou dever. É diferente ajudar por alegria de ajudar por compulsão em ajudar. No meu caso isso veio de cedo, fui colocado num papel de salvador e isso me implicava me sentir maduro e importante, mas ao mesmo tempo sobrecarregado e incapaz de usufruir alegria e prazer sem ser pesado. Eu praticamente era um textão (chato) de Facebook ambulante.

Fui lentamente quebrando esse protocolo, mas não sem antes sentir muita culpa, achar que estava traindo minha natureza, me desfazendo de valores e até me achando ingrato com meus pais ou egoísta. A verdade é que por mais que eu os amasse não poderia e nem deveria seguir aqueles impulsos problemáticos que eram deles, apenas deles. Minha melhor forma de honrar meu pai e minha mãe é ser aquilo que eles sonharam para mim: feliz.

E se minha felicidade não estava atrelada a servir de guardião da felicidade deles então eu tinha direito de me distanciar dessa loucura que eles criaram para eles. Pense bem, eles já existiam antes de eu nascer, eram casados, tinham tomado milhões de decisões sem meu consentimento, logo, a infelicidade deles é responsabilidade deles também. Eles são adultos e precisam se reaver com suas limitações. Eu sou o filho, lido com as minhas, o que tenho de bom vou passar para a frente.

Como filho pude “trair” esse impulso parece que renasci, me senti mais leve, mais pleno, mais feliz e passei a ajudar quando podia, se podia e no limite de minhas forças. Isso se converteu em alegria de ajudar, o que me tirou aquela cobrança implícita de querer algo de volta. Se eu ajudo alguém e essa pessoa me dá as costas eu fico feliz por ela, sem dor no coração.

Tudo o que os nossos pais fazem por nós é por amor, mas nem todo amor é lúcido, ele vem carregado de nosso melhor e pior.
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*Frederico Mattos, psicólogo clínico e escritor
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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique], Como se libertar do ex [clique aqui para comprar] e Mães que amam demais. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana.

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Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094